Mulheres com mais de 60 anos provavelmente tiveram a qualidade de vida prejudicada por um dos maiores equívocos da medicina recente: a estigmatização da terapia de reposição hormonal.
O estudo que mudou o debate
Em 1998, o Women’s Health Initiative (WHI), financiado pelo governo dos EUA, começou a investigar os benefícios e riscos da reposição hormonal em mulheres na pós-menopausa, com foco em doenças cardiovasculares e câncer. O ensaio clínico envolveu 27 mil participantes e foi concebido como “o maior estudo de prevenção da saúde feminina do mundo”.
No livro A Nova Menopausa (Editora Intrínseca), a médica americana Mary Claire Haver lembra que o início da pesquisa gerou grande entusiasmo: houve atenção à saúde de mulheres maduras, recursos para investigação e tempo dedicado ao tema; o recrutamento consumiu cinco anos e estavam previstos novos investimentos para acompanhar as participantes.
No entanto, uma sequência de falhas acabou resultando em um erro de grande repercussão.
As participantes foram separadas em dois grupos: o Grupo 1, composto por 16.608 mulheres com útero, e o Grupo 2, formado por 10.739 mulheres submetidas a histerectomia. O Grupo 1 recebeu estrogênio combinado com progestina (para proteger o endométrio) ou placebo. O Grupo 2 recebeu apenas estrogênio ou placebo. A intenção era monitorar as mulheres por 8,5 anos, mas, em julho de 2002, uma revisão do Grupo 1 identificou um leve aumento no risco de câncer de mama. Nesse grupo também houve queda nas taxas de câncer de cólon e de fraturas por osteoporose, porém, por causa do sinal de câncer de mama, o estudo foi interrompido antes do prazo. Anos depois a investigação do segundo grupo também foi encerrada prematuramente: nessas participantes não houve elevação no risco de câncer de mama ou de doenças cardíacas e elas apresentaram menos fraturas e menos câncer de cólon, mas indícios de aumento modesto no risco de derrame motivaram a paralisação.
Mary Claire observa que, no plano público, prevaleceram reportagens imprecisas e manchetes alarmistas que simplificaram as conclusões para a ideia de que “o estrogênio causa câncer de mama”.
Profissionais e entidades médicas também falharam ao avaliar com cuidado a metodologia e os dados apresentados.
Como consequência, muitas mulheres deixaram de usar a terapia hormonal: entre 70% e 80% das que já faziam tratamento pararam de solicitar novas receitas, segundo a autora, o que significa que milhões deixaram de ter alívio dos sintomas da menopausa e perderam os benefícios preventivos associados à reposição hormonal.
Para quem não está familiarizado com o tema, chega-se a essa fase da vida com dezenas de sinais incômodos — mais de 70 descritos — como ansiedade, depressão, artrite, enxaqueca, incontinência urinária, afinamento da pele e do cabelo, dificuldade de concentração (brain fog), queda da libido, entre outros.
Em muitos casos, a reposição de estrogênio atenuava grande parte desses sintomas e também reduzia riscos de diabetes, demência, doenças cardiovasculares, ganho de peso e osteoporose. Ainda assim, o temor gerado pelo estudo WHI sobre o câncer de mama levou milhões a optar por conviver com esses efeitos. Reportagem do The Washington Post aponta que, enquanto há duas décadas cerca de 27% das mulheres nos EUA utilizavam terapia hormonal, em 2020 esse percentual caiu para apenas 5%.
Após o estrago causado pela interpretação inicial, especialistas revisitaram o estudo e detectaram problemas importantes, entre eles a idade média das participantes: cerca de 63 anos, muito acima da média da menopausa, que é 51 anos.
Mary Claire ressalta que essa diferença etária, por si só, tinha enorme potencial para distorcer negativamente os resultados, já que pessoas mais velhas apresentam maior probabilidade de desenvolver doenças como câncer de mama e problemas cardíacos, independentemente da reposição hormonal ou de outros medicamentos.
Mulheres mais jovens, próximas do início da menopausa, possivelmente teriam obtido vantagens maiores em proteção cardiovascular, neurológica e musculoesquelética com a reposição, mas esse perfil não predominou no ensaio clínico do WHI.
A ação da FDA e o reposicionamento científico
Por que o tema volta agora? Porque, na segunda-feira, 10, a Food and Drug Administration (FDA) determinou a remoção do alerta em “caixa preta” dos rótulos de hormônios usados no tratamento da menopausa, alerta que desde 2003 mencionava aumento do risco de ataques cardíacos, derrames, tromboses e alguns tipos de câncer. A agência classificou a medida em seu site como uma “ação histórica” para restabelecer padrões científicos na saúde feminina (link).
O comissário da FDA, Marty Makary, afirmou ao programa CBS Mornings que, com exceção de vacinas e antibióticos, dificilmente existe outro medicamento capaz de melhorar a saúde das mulheres em nível populacional tanto quanto a terapia de reposição hormonal.
Ele avaliou que o caso representou “um dos maiores erros da medicina moderna”, argumentando que não houve significância estatística robusta e que ensaios subsequentes não demonstraram aumento da mortalidade por câncer de mama. Makary destacou ainda os benefícios observados a longo prazo da reposição: redução do declínio cognitivo, de ataques cardíacos, de fraturas ósseas e de outras condições, incluindo alguns cânceres e diabetes, e defendeu que o clima de medo seja colocado em perspectiva adequada.
Embora a terapia de reposição hormonal não seja indicada para todas as pacientes e exija acompanhamento e avaliação médica antes e durante o tratamento, a decisão da FDA pode representar alívio para parte das cerca de 47 milhões de mulheres que atingem anualmente a menopausa. Resta, porém, a pergunta de como compensar as milhões que sofreram desnecessariamente com inúmeros sintomas nas últimas duas décadas por causa do receio e da desinformação; nas palavras de Mary Claire no livro, “a menopausa é inevitável, sofrer com ela não”.









