No momento, o noticiário econômico parece se concentrar em dois tipos de título: um que destaca investimentos bilionários e avaliações astronômicas vindas do boom da inteligência artificial, e outro que relata sucessivos anúncios de demissões, frequentemente envolvendo as mesmas empresas em ambas as narrativas.
Faz sentido, até certo ponto: empregadores entusiasmados com o potencial dessa tecnologia acreditam que ela elevará a produtividade, reduzindo a dependência do trabalho humano. Além disso, a alta das ações após os cortes funciona como incentivo extra.
No entanto, muitos desses cortes tendem a se revelar um equívoco, podendo comprometer justamente aquilo que as companhias mais desejam: a capacidade de aproveitar plenamente as oportunidades oferecidas pela IA.
Se a atual onda de demissões for realmente um erro, trata-se de uma prática bastante disseminada: no mês passado, empresas americanas promoveram mais demissões do que em qualquer outro outubro das últimas duas décadas, e boa parte delas apresenta situação financeira sólida.
A Amazon, que planeja extinguir até 30 mil cargos corporativos, registra suas ações em níveis recordes, enquanto a Microsoft, que realizou suas maiores demissões em dois anos, divulgou um aumento de 12% no lucro recente.
Motivações além da necessidade financeira
Se não há uma necessidade financeira clara, por que então tantos cortes? Em certos casos, a IA aparece como justificativa. A Accenture, por exemplo, anunciou em setembro a demissão de 11 mil funcionários alegando que eles “não poderiam ser requalificados para uma força de trabalho orientada por IA”.
Com a febre da IA dominando o ambiente corporativo nos Estados Unidos, é provável que a tecnologia seja usada como argumento para novos cortes. Eles chegam a ser apresentados como imperativos econômicos: Geoffrey Hinton, considerado um dos pais da IA e laureado com o Nobel, afirma que o volume de capital investido no setor é tão alto que só se justificaria com uma destruição massiva de empregos.
Existe, porém, um problema: por mais promissoras, as ferramentas de IA nem sempre geram retorno para as empresas que as adotam. Não se pretende afirmar, como fazem alguns críticos, que a tecnologia seja inútil; há mesmo quem se declare convertido ao uso de ferramentas como o ChatGPT.
Uma pesquisa do MIT, que analisou 300 projetos corporativos públicos de IA, revelou que 95% dos executivos responsáveis reportaram “retorno zero” sobre o investimento.
Ao se considerar melhor, isso não surpreende tanto. Essas ferramentas não são substitutos automáticos que suplantam imediatamente os trabalhadores. A maioria das empresas ainda não domina a forma de explorar todo o potencial dessas soluções, e talvez ninguém detenha esse conhecimento completo.
Utilizá-las com eficácia requer transformações profundas nas rotinas de trabalho. Trata-se de uma tecnologia recente e em constante evolução. Sem um roteiro definido, as empresas precisarão de mais criatividade e inovação para se adaptar ao universo da IA e extrair o máximo benefício.
Efeitos das demissões sobre inovação e moral
A atual onda de cortes tende a dificultar esse processo, pois o impacto não recai apenas sobre os desligados: os que permanecem ficam traumatizados, o que prejudica o moral, reduz o comprometimento e eleva os níveis de estresse.
Não por acaso, estudos em gestão indicam que companhias que realizam demissões em períodos de bonança apresentam desempenho financeiro pior em comparação com concorrentes que preservam seus quadros.
Além disso, esses efeitos adversos se manifestam com maior intensidade justamente nos setores mais inovadores e em rápido crescimento.
Uma pesquisa envolvendo mais de 2.000 empresas espanholas mostrou que, quando o corte de pessoal é combinado com mudanças significativas em equipamentos, técnicas ou processos, como os exigidos pela adoção da IA, a inovação tende a diminuir, já que os funcionários se sentem ameaçados e evitam assumir riscos.
Estudo semelhante com empresas britânicas constatou que, embora demissões de pequeno ou médio porte não prejudiquem tanto a inovação, cortes em larga escala têm impacto substancial, e talvez seja esse um dos motivos pelos quais as taxas de recontratação vêm aumentando.
Isso não significa que toda demissão seja contraproducente; quando há capacidade ociosa excessiva, reduzir o quadro pode até impulsionar a inovação. Ainda assim, o caminho é arriscado. Se a empresa já opera sob restrições (e, diante do tamanho dos investimentos demandados pela corrida da IA, até as mais ricas podem estar nessa situação), os efeitos negativos das demissões tendem a prevalecer.
O paradoxo de inovações transformadoras como a IA é que a descoberta da tecnologia é apenas o começo; aprender a empregá-la de forma efetiva é igualmente complexo e essencial.
Isso exige colaboradores dispostos a aprender, assumir riscos e aceitar mudanças, não equipes traumatizadas e receosas após ver colegas serem dispensados. Demitir agora em antecipação aos impactos da IA pode até parecer atraente para os CEOs, mas a maioria provavelmente acabará se arrependendo.








