Denúncia foi protocolada depois de críticas a declarações do vereador de Vitória tidas como “machistas”.
O magistrado Paulo Sérgio Bellucio, titular da 8ª Vara Criminal de Vitória, determinou o arquivamento da queixa-crime apresentada pelo vereador da Capital Armandinho Fontoura (PL) contra a vereadora de Cariacica Açucena (PT) e contra Célia Tavares, supervisora da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa. O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) também opinou pelo arquivamento.
A queixa-crime teve origem nas manifestações de Açucena e de Célia Tavares nas redes sociais, feitas após o vereador, em sessão da Câmara de Vitória no início de setembro, referir-se às mulheres que ocupavam a galeria para protestar contra um projeto sobre aborto legal como “um bando de prostitutas” e “pessoas vendidas em troca de cargos”.
Posicionamento do MPES sobre as postagens
Na decisão, o MPES considerou que as publicações atribuídas às vereadoras revelam um tom de indignação diante das declarações proferidas na Câmara pelo autor da queixa, consideradas ofensivas às mulheres. Concluiu, assim, não haver, nas postagens, o elemento subjetivo (dolo) necessário para configurar o crime contra a honra.
Quanto à postagem de Açucena, o Ministério Público ressalta que a parlamentar sequer menciona Armandinho Fontoura pelo nome, fazendo “uma manifestação contra o que, ao seu juízo, configurou um ataque contra mulheres”.
Menção do nome e ausência de dolo
No caso de Célia Tavares, o MPES reconhece que o vereador foi citado, mas entende que a publicação expressa descontentamento com o discurso de Armandinho, referindo-se a fatos de domínio público. Não há, segundo o órgão, demonstração de intenção específica de macular a honra do autor da queixa ou de incitar violência física ou psicológica contra ele.
O juiz Paulo Sérgio Bellucio afirma na sentença que a conduta imputada às quereladas consiste, em essência, numa opinião sobre falas do autor da queixa que foram consideradas ofensivas às mulheres. Lembra, ainda, que a Constituição Federal assegura a liberdade de expressão e de pensamento, garantindo que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofram restrições, observadas as demais disposições constitucionais.
Ausência de ameaça nas publicações
O magistrado retoma o entendimento do MPES, enfatizando que não constam nas postagens de Açucena e de Célia Tavares ameaças, nem explícitas nem implícitas, embora o vereador tenha alegado na ação que os conteúdos teriam estimulado e incitado ameaças contra sua pessoa.
Na peça apresentada pelo autor da queixa, Armandinho cita uma postagem supostamente publicada no perfil do Instagram “@jptes”, em que um usuário identificado como “@profadikto” teria escrito, referindo-se ao vereador: “Esse cara é um indivíduo escroto. Se eu trombo ele na rua eu perco meu réu primário na hora”. O MPES observa ser necessário esclarecer que tais palavras, que de fato configuram ameaça explícita, não foram proferidas pelas quereladas.
Após o arquivamento, Açucena se manifestou em suas redes sociais, lamentando as dificuldades enfrentadas por mulheres na política, com destaque para as negras e as mais jovens. Ela afirmou que a queixa-crime evidencia tentativas de atacá-las, deslegitimar sua presença em espaços de poder, silenciá-las e desgastá-las com o objetivo de fazê-las desistir.
Exemplos de ataques e ausência de proteção institucional
A vereadora citou um episódio recente envolvendo a vereadora Ana Paula Rocha (Psol). Ana Paula teve sua imagem associada ao crime organizado após o vereador Luiz Emanuel Zouain (Republicanos) publicar uma montagem com sua foto ao lado de pessoas encapuzadas e armadas, em reação às críticas dela à operação policial no Rio de Janeiro que resultou em mais de cem mortes. Depois da publicação, segundo relatos, surgiram inúmeros comentários com ataques racistas, gordofóbicos e até ameaças de morte. A parlamentar declarou que não se deixará intimidar, afirmando que “o medo não faz parte de minha trajetória política”.
Açucena usou o caso de Ana Paula para ilustrar a falta de mecanismos institucionais nas câmaras legislativas que permitam uma defesa efetiva contra esse tipo de agressão. Lembrou que, embora exista desde 2021 a lei que coíbe a violência política de gênero, ainda há dificuldade em responsabilizar penalmente autores desses atos.
Ela recordou que a primeira condenação desse tipo no Espírito Santo ocorreu com a deputada estadual Camila Valadão (Psol), em processo contra o então deputado federal Gilvan da Federal (PL), destinado a reparação por danos morais no valor de R$ 10 mil e à pena de um ano, quatro meses e quinze dias de reclusão. O episódio remonta a dezembro de 2021, quando ambos eram vereadores de Vitória, e envolveu ofensas como “cala a boca”, além de acusações de “satanista”, “assassina de bebê” e “assassina de criança”, com a decisão de condenação proferida pelo juiz Leonardo Alvarenga da Fonseca, da 52ª Zona Eleitoral de Vitória.
“Não é fácil tomar a decisão de entrar com o processo, não é fácil custear a decisão de entrar com o processo, não é fácil criar espaço para que de fato a justiça compreenda a violência que sofremos nas Câmaras legislativas como violência, pois de fato é uma tipificação de crime novo”, lamentou a vereadora.








