Da França aos rios do Espírito Santo: A missão de quem rema pela recuperação das águas. Expedição de ambientalistas capixabas ao Rio Sena traz lições para resgatar o Rio da Costa e o Rio Doce. Uma expedição fluvial uniu o Espírito Santo e a França. Três capixabas percorreram os 800 km do Rio Sena, entre agosto e setembro de 2025, para trazer lições que podem ajudar na recuperação dos rios do Estado e, porque não, do Brasil.

Longe de ser apenas uma aventura, os resultados comprovam o nível da missão técnica, desafiadora e, acima de tudo, promissora que enfrentaram. As ações observadas possuem o potencial de mudar a realidade do nosso manancial hídrico, assim como aconteceu com o Rio Sena.
Os integrantes do movimento River Planet empreenderam uma verdadeira jornada diplomática e ambiental, buscando aprendizado e parcerias internacionais para transformar a relação da sociedade capixaba com suas águas.
A Conexão Capixaba-França: Uma Parceria que Vem de Longe
Em 21.out.2025, um momento significativo marcou o ambientalismo capixaba. No auditório da Federação das Indústrias do Espírito Santo (FINDES), em Vitória, os ambientalistas Alberto Pêgo, Fábio Medeiros e Mateus Poltronieri apresentaram, para autoridades e apoiadores, o relatório completo da Expedição Sena 2025.

| Foto: Tony Silvaneto
A missão de remar em caiaques, realizada sob a bandeira do River Planet – “Movimento Global em Defesa dos Rios” -, não foi uma aventura. Demonstrou ser a consolidação de uma parceria que começou em 2008 entre a sociedade civil organizada francesa e os ambientalistas capixabas, e que já havia rendido uma primeira descida em 2013, com Medeiros e Pêgo.
“O fato de a gente ter conseguido ir já foi um ponto altíssimo”, refletiu Alberto Pêgo em entrevista exclusiva.
“Foram dois, três anos de muita tentativa. Conseguimos fazer em 2025, o ano da temporada França-Brasil. Uma grande capacidade que a gente teve de articulação, de convencimento, mexendo com vários atores da política e da economia do Espírito Santo”, continuou Pêgo.
Obstáculos Antes da Aventura: A Batalha por Recursos e Reconhecimento
A jornada francesa começou muito antes das primeiras remadas no Sena.
Fábio Medeiros revelou as dificuldades iniciais em conseguir financiamento para a expedição. Na busca de financiadores, encontraram dificuldades de compreensão sobre os reais objetivos da viagem.

“Pensaram que o patrocínio serviria como passeio, mas após observarem o projeto, reconheceram e aderiram de uma forma surpreendente”, ressaltou Medeiros.
O projeto foi totalmente bancado pelo empresariado capixaba, com destaque para empresas como RHOPEN – Soluções Com Empresas, AEGEA, Marca Ambiental e AYKO Tecnology entre outras. “Genial ter um projeto totalmente bancado pelo empresariado”, expressou Alberto Pêgo durante a apresentação.
Diplomacia
O maior desafio foi o de conseguir envolver as autoridades governamentais dos dois países. “Fazer o Governo do Espírito Santo e o Governo de lá conversarem foi uma ‘trabalheira’”, revelou Pêgo.
O esforço resultou em cartas oficiais do governador Renato Casagrande e do presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos, endereçadas à Agência das Águas Seine-Normandie e ao Comitê do Rio Sena, propondo um protocolo de colaboração entre as instituições.

Nas Águas do Sena: A Metodologia da Descida Ecológica
A expedição em si foi um exercício de resistência física e técnica. Durante 24 dias, a equipe percorreu em média 40 km por dia, partindo da nascente – que é propriedade da prefeitura local – até a foz na região da Normandia.
Mateus Poltronieri, responsável pelo registro documental da expedição, descreveu uma rotina intensa: “Teve noite que virei sem dormir, jantando na frente do computador. Além das gravações, eu dava suporte logístico — levava água, lanche, o que fosse necessário”, disse o Produtor Visual.
O trabalho de Poltronieri envolveu um planejamento minucioso: “Usei o Google Maps para entender o melhor posicionamento das câmeras e dos drones. Apesar da minha expertise em audiovisual, essa ideia foi construída com o Beto e o Fábio. Não se tratava apenas de um trabalho artístico, mas também documental”, afirmou.
A equipe observou e registrou aspectos cruciais para a compreensão do sucesso francês na despoluição do Sena:
- Presença de vida aquática: peixes e aves indicando a melhoria da qualidade da água
- Infraestrutura anti-enchentes: desvio de parte das águas do rio para lagos artificiais com a finalidade de captar o excesso gerado pelas águas das chuvas.
- Integração urbana e participação da população: o rio como parte da vida cotidiana das cidades.
Poltronieri testemunhou cenas marcantes: “Em uma das cidades, fotografei um idoso pegando água do rio com um regador para molhar as plantas do quintal. Isso mostra a convivência real da população com o rio”, ressaltou.
Navegação fluvial
Uma das reflexões mais impactantes da expedição veio de pergunta simples mas profunda que Alberto Pêgo lançou durante a apresentação: “Porque o Rio Sena é navegável com um volume muito menor que o Rio Doce?”
Apesar das semelhanças, Pêgo apresentou diferenças fundamentais entre os dois rios, cuidadosamente analisadas pela equipe e apresentadas em gráficos.

Segundo informou Pêgo, o Rio Sena é lento, característica que reduz a erosão, mas o rio atravessa diversas regiões urbanizadas e industrializadas. Em relação ao Rio Doce ele afirmou ter maior declividade, o que favorece a erosão e o assoreamento, embora corte menos áreas urbanizadas e industrializadas.
CARACTERÍSTICA | RIO SENA | RIO DOCE |
|---|---|---|
| Altitude da nascente | 470 metros | 1.220 metros |
| Extensão | ~800 km | ~853 km |
| Declividade | Baixa | Alta |
| Velocidade da água | Lenta | Rápida |
| Erosão | Reduzida | Intensa |
Canal da Costa x Rio da Costa
Durante a apresentação, Alberto Pêgo e Fábio Medeiros fizeram questão de corrigir uma nomenclatura que reflete um problema ambiental: “O nome correto é Rio da Costa e não Canal da Costa. Muitas pessoas não sabem que é um rio e relacionam à um local de lançamento de produtos biológicos e químicos”, disseram os ambientalistas.
O Rio da Costa representa exatamente o tipo de desafio que o River Planet pretende enfrentar com as lições aprendidas no Sena. De acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Espírito Santo (SEDURB):
- Área da bacia hidrográfica: 9,47 km²
- Extensão do trecho canalizado: 6,2 km
- Nascente: Apicum do Poço (atual bairro Itapoã)
Transformação
Segundo a Secretaria de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano do Espírito Santo (SEDURB), ao longo da história, o antigo Rio da Costa foi sendo canalizado, retificado e concretado, processo que o transformou em um canal de escoamento pluvial e receptor de efluentes urbanos.
Com o avanço da urbanização e a ausência de sistemas adequados de saneamento em alguns trechos, o curso d’água passou a ser fortemente impactado pela poluição.
Objetivo pessoal
Para Poltronieri, que mora perto do Rio da Costa, a causa da recuperação é pessoal: “Moro a poucos passos do Rio da Costa. Não cheguei a viver o tempo em que as pessoas tomavam banho e pescavam, mas cresci ouvindo histórias. A vontade de ver aquilo recuperado é enorme”, afirmou o Produtor Visual e Ambientalista.
Próximos Passos
Em entrevista, Alberto Pêgo detalhou a agenda ambiental do River Planet para os próximos anos:
- Consolidação da cooperação França-Espírito Santo: “O assunto Sena não está concluído. A gente tem que estimular, continuar estimulando o governo a se manter firme.”
- Intervenção no Rio da Costa: “Um trabalho com um rio pequeno que está em condições de melhorar muito a situação dele do ponto de vista sanitário.”
- Atenção contínua ao Rio Doce: “Não podemos abandonar um rio daquele que ainda tem essa importância tremenda.”
- Projeto “Navegando os Rios Capixabas” (2026): “Vamos tentar dar visibilidade para todos os rios do estado que desaguam no oceano.”

Legado da expedição
A expedição rendeu mais do que relatórios técnicos. Poltronieri adiantou que prepara um documentário com material inédito: “O Diário de Bordo mostrou parte da história, mas temos muito conteúdo guardado. O documentário vai revelar nuances que não cabiam nas postagens diárias.”
O trabalho do River Planet demonstra que a recuperação ambiental exige mais que boa vontade – demanda articulação política, apoio empresarial, trabalho técnico e, principalmente, a capacidade de construir pontes entre diferentes realidades.
“O terceiro ponto alto foi o fato de ter conseguido finalizar”, refletiu Pêgo. “Porque chegar lá é uma coisa, e sair de lá com o serviço concluído é outra coisa bem diferente. E a gente conseguiu sair de lá com o serviço concluído”, exclamou o ambientalista.
Futuro do projeto
O exemplo bem-sucedido do Rio Sena deixa claro que a recuperação fluvial é mais do que uma possibilidade: é uma realidade alcançável.
O caminho está pavimentado. Existe a possibilidade de assinatura do protocolo de intenções entre as autoridades francesas e as do Espírito Santo. É o ponto de partida, mas não o destino final. Agora, é hora de transformar as informações da expedição em ações concretas para os rios capixabas.
Espera-se uma nova realidade do Rio da Costa, do Rio Doce e de tantas outras águas que precisam voltar a ser motivo de orgulho para o Espírito Santo.







parabéns Tony! excelente matéria!
parabéns! um trabalho maravilhoso, interessante e muito bem delineado pelo autor. comparativo que mostra quanto a natureza é pródiga.