A venezuelana María Corina Machado, considerada a principal adversária de Nicolás Maduro e uma figura da extrema direita no país, recebeu nesta sexta-feira o Prêmio Nobel da Paz de 2025.
Reações e controvérsias
A decisão, anunciada pelo Comitê Norueguês do Nobel em Oslo, suscitou críticas no espectro progressista e foi vista por muitos como um ato político alinhado aos Estados Unidos e à agenda associada a Donald Trump.
Machado dedicou o reconhecimento ao “povo sofredor da Venezuela” e agradeceu explicitamente ao ex-presidente Donald Trump pelo “apoio decisivo à nossa causa”.
A escolha rompeu a prática habitual do prêmio ao reconhecer uma personalidade ligada a episódios de desestabilização institucional, à defesa de sanções internacionais e a uma aliança clara com o governo norte‑americano.
O Comitê argumentou que a opositora foi homenageada “por seu trabalho incansável promovendo os direitos democráticos do povo venezuelano e por sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”.
Esse posicionamento, contudo, contrasta com críticas de movimentos sociais e intelectuais da América Latina, que afirmam que a premiada não simboliza a paz, mas sim a submissão do país aos interesses externos de Washington.
Em uma postagem na rede social X, Machado afirmou que o prêmio representa um “impulso para alcançar a liberdade” e declarou que a Venezuela “será livre”.
“Estamos no limiar da vitória e, hoje, mais do que nunca, contamos com o presidente Trump, o povo dos Estados Unidos, o povo da América Latina e as nações democráticas do mundo como nossos principais aliados para alcançar a liberdade e a democracia”, disse ela.
O discurso reforçou a conexão direta com o trumpismo e com setores que apoiaram as sanções econômicas aplicadas à Venezuela.
Documentos revelados pela imprensa indicam que a indicação de Machado ao Nobel partiu de senadores e deputados republicanos dos EUA, entre eles Marco Rubio, atualmente secretário de Estado de Trump, e Michael Waltz, embaixador norte‑americano na ONU.
A carta, datada de 26 de agosto de 2024, descreve Machado como “um farol de esperança e resiliência” e enaltece sua liderança na “mobilização de apoio nacional e internacional para uma resolução pacífica da crise eleitoral”.
A divulgação desse material reforçou a interpretação de que o Nobel da Paz de 2025 teve caráter político e simbólico, servindo também como reconhecimento ao campo republicano norte‑americano.
Antecedentes e acusações
O percurso político de Machado, entretanto, está ligado a episódios que incluem tentativas de golpe e intervenção externa.
Em 2002, ela assinou o chamado Decreto Carmona, que dissolveu órgãos da República e apoiou o golpe que depôs temporariamente o presidente Hugo Chávez. Mais tarde, foi uma das articuladoras da campanha “La Salida” de 2014, conhecida por barricadas e confrontos violentos contra apoiadores chavistas.
Ao longo das últimas duas décadas, defendeu publicamente intervenções militares estrangeiras e chegou a solicitar ao então primeiro‑ministro israelense Benjamin Netanyahu que “libertasse” a Venezuela, conforme recordou a jornalista Michelle Ellner, do Peoples Dispatch.
Segundo críticos, “Machado é o rosto sorridente da máquina de mudanças de regime de Washington”.
O cientista político argentino Atilio Boron foi mais contundente ao qualificar as ações da opositora como “traição à pátria”.
Em artigo publicado em fevereiro, Boron relembrou encontros entre Machado e George W. Bush na Casa Branca, seu apoio às guarimbas de 2014 e a defesa de sanções econômicas que, segundo ele, agravaram a crise venezuelana.
Boron afirma que, se Machado fosse cidadã dos Estados Unidos e tivesse agido contra seu próprio governo da mesma forma, teria sido “presa e condenada à morte”.
O intelectual também responsabiliza a opositora, junto a Juan Guaidó, pela entrega de ativos estratégicos venezuelanos a interesses estrangeiros, citando a CITGO (nos EUA) e a Monómeros (na Colômbia), além da perda de 31 toneladas de ouro retidas pelo Reino Unido.
“Estamos diante de um caso de traição à pátria tratado com surpreendente benignidade pelo governo chavista”, escreveu Boron.
Resposta oficial e alcance
O governo da Venezuela e seus aliados definiram a premiação como uma “afrenta à paz e à soberania”. Em Caracas, diplomatas destacaram que a laureada é coautora de 930 medidas coercitivas unilaterais contra o país, que ainda provocam escassez, inflação e bloqueio de bens públicos.
Analistas interpretam que o prêmio reforça uma estratégia norte‑americana de utilizar símbolos internacionais para legitimar a oposição pró‑EUA.
Setores progressistas da América Latina compararam a escolha de Machado a premiações anteriores concedidas a figuras como Henry Kissinger e Barack Obama, ambas associadas a políticas de guerra e à imposição de sanções.








