A sociedade atual não se contenta mais com competência; exige excelência. Dormir bem já não basta: exige-se acordar às 5h para meditar. Sucesso profissional hoje é conciliar treinos, cursos, viagens e vida social. Essa busca incessante por se superar invadiu quase todos os aspectos da existência, instaurando uma pressão por desempenho que exige sempre mais: resultados, produtividade, entrega.
No universo esportivo, essa lógica gera consequências. Recentemente, a tenista Bia Haddad anunciou que não competirá em 2025 para priorizar a recuperação física e mental. Outros nomes do esporte, como o nadador Michael Phelps e a ginasta Simone Biles, também defenderam a importância do equilíbrio emocional. São atletas de alto nível que reconhecem que, sem saúde emocional, o desempenho fica comprometido.
A ansiedade que cobra pedágio
Quando o estímulo a melhorar ultrapassa limites saudáveis e vira exigência incontrolável, surgem ansiedade, frustração, noites mal dormidas e até quadros depressivos. O cenário do esporte de alto rendimento apenas reflete esse processo de forma mais explícita: atletas convivem com a vigilância constante de torcedores, treinadores, patrocinadores e de uma sociedade que espera perfeição.
“Quando a busca por alta performance extravasa, o sofrimento pode se manifestar de diferentes maneiras, tanto no corpo quanto no emocional”, analisa a psicanalista Tássia Borges.
Seja quem trabalha em escritório ou quem disputa medalhas, a ansiedade costuma se manifestar de forma semelhante: o corpo sinaliza antes da mente.
“A ansiedade aparece por meio de sintomas físicos, como taquicardia antes de uma apresentação ou queda na qualidade do sono; e também por pensamentos intrusivos, autocríticas e frases internas dizendo que não se é bom o bastante”, descreve a psicanalista.
Segundo Marcial Pereira, médico do esporte e especialista da BurnUp, healthtech de saúde mental e emocional, a pressão contínua eleva os níveis de cortisol e adrenalina, hormônios associados ao estresse. “Em excesso, esses hormônios geram fadiga, dificuldade de concentração, imunidade reduzida e comprometem o sono. Além disso, a sensação de insuficiência constante corrói a autoconfiança e favorece ansiedade e depressão.”
O peso invisível da autocrítica
Se a cobrança externa já é pesada, a voz interna pode ser ainda mais implacável. Atletas, por exemplo, não enfrentam apenas as expectativas de quem assiste, mas também a própria crença de que precisam ser invencíveis.
“A autocrítica pode causar mais dano que a pressão externa. Trata-se da incorporação de todas as expectativas até acreditar que tudo depende exclusivamente da pessoa. Mas não é assim: não há controle total sobre emoções, o corpo ou fatores externos.”
Esse padrão também se manifesta no dia a dia: o estudante que não admite errar, o profissional que assume sozinho a responsabilidade por um projeto, a mãe que acredita ter de dar conta de tudo. Para Marcial, sinais de que a cobrança excedeu o limite incluem alterações de humor, insônia, irritabilidade e até lesões repetitivas sem causa aparente.
“Quando a cobrança passa a gerar sofrimento em vez de motivação, é sinal de que o limite foi ultrapassado.”
Muitas vezes o problema só é notado pelo corpo: dores persistentes, palpitações ou cansaço prolongado podem ter origem emocional. “É comum que sintomas de ansiedade e estresse se expressem como queixas físicas. Esses sinais são o corpo avisando sobre os excessos”, destaca o médico.
Também há o risco do overtraining, quando os treinos excedem a capacidade de recuperação física e mental: “Em vez de melhorar, o excesso prejudica o rendimento, aumenta o risco de lesões e compromete a motivação.”
Saúde mental como pilar da performance
Uma forma de aliviar essa carga é expor o que costuma ficar escondido. Dar nome ao desconforto, dividir angústias e abrir espaço para diálogos francos pode trazer alívio. “Externalizar é fundamental. Falar sobre ansiedade e autocrítica ajuda a quebrar o tabu e a escoar pensamentos internos”, sugere Tássia.
No âmbito esportivo, isso exige que equipes e treinadores promovam ambientes seguros para conversas abertas. “Criar espaço para diálogo, reconhecer o esforço e não concentrar a atenção apenas no resultado protege os atletas. Erros e derrotas, também na vida, devem ser encarados como aprendizado, não como falhas pessoais”, aponta Marcial.
Antes restrita a músculos e articulações, a medicina esportiva ampliou o seu olhar. “A abordagem contemporânea entende que a saúde mental é fundamento da alta performance. Não é coerente tratar só o físico sem cuidar da mente”, afirma Marcial. Exemplos como Simone Biles e Gabriel Medina, que interromperam temporariamente as carreiras para priorizar o bem-estar mental, têm contribuído para chamar atenção ao aspecto emocional dos atletas.
O médico ressalta medidas preventivas que fazem diferença: acompanhamento psicológico, técnicas de respiração e mindfulness, sono de qualidade, treinos planejados com pausas, alimentação adequada e hobbies fora do esporte. “Fomentar uma vida social equilibrada é essencial para dar sentido à carreira e evitar que tudo gire apenas em torno de resultados.”
“A sociedade também tem responsabilidade. Com frequência trata-se atletas e pessoas em geral como máquinas de resultados: aplaudem-se vitórias, mas vira-se o rosto diante das derrotas, como se elas não fizessem parte do caminho.”








