“Desculpa a bagunça.” “Desculpa, será que posso falar?” “Desculpa, você pode repetir?” Por que pedir desculpa por tudo? Muitas vezes, esse pedido escapa da boca quase sem pensar. Ele surge em situações banais, como por exemplo quando alguém puxa o papel toalha ao mesmo tempo que nós, quando interrompemos sem querer uma frase alheia ou até quando ocupamos espaço em uma conversa ou ambiente.
Não houve ofensa real, mas a palavra “desculpa” aparece como uma espécie de reflexo automático, uma forma de suavizar a própria presença. É como se, ao pedir desculpas, quiséssemos sinalizar que não somos um incômodo, que não estamos invadindo o espaço do outro – mesmo que não haja motivo concreto para isso.
Frequentemente, pedir desculpas se torna um gesto automático, uma espécie de “escudo social” para se antecipar a críticas, evitar julgamentos ou cumprir expectativas silenciosas de comportamento.
Neuropsicóloga e psicóloga, Tatiana Serra explica que pedir desculpas é uma “habilidade social de empatia”: conseguir se colocar no lugar do outro e perceber que fez algo que incomodou.
“No entanto, quando esse hábito se torna excessivo, está ligado a baixa autoestima, experiências passadas, busca de aprovação, ansiedade social ou padrões de cultura e gênero.”
Raízes emocionais e sociais
Para o psicólogo Damião Silva, esse comportamento frequentemente se origina em ambientes familiares e sociais nos quais a criança percebe que o amor e a aceitação são condicionados à obediência e à ausência de divergências.
“Em lares excessivamente críticos ou onde equívocos são severamente penalizados, a criança internaliza a noção de que precisa antecipar expectativas e evitar falhas para ser aceita. Isso pode evoluir para a hiperresponsabilidade emocional, na qual o indivíduo sente-se responsável não só por suas próprias ações, mas também pelo estado emocional, reações e até frustrações de outras pessoas”, afirma.
“É como se a pessoa acreditasse estar sempre atrapalhando, e o ‘desculpa’ funcionasse como escudo contra críticas e rejeições. Em alguns casos, vira até uma máscara social, como se fosse um jeito de manter a harmonia mesmo que custe a própria autenticidade.”
O hábito de pedir desculpas com frequência não surge apenas de questões pessoais, ele também é moldado pelo contexto social e cultural que vivemos. Normas de educação e expectativas de comportamento transformam um gesto de gentileza em uma regra quase automática que orienta como nos apresentamos.
“Em sociedades que valorizam a polidez extrema, pedir desculpas pode se tornar uma estratégia de autopreservação e manutenção de relacionamentos. E, em muitas situações, especialmente entre mulheres, há a expectativa de ser gentil e não invasiva, o que incentiva ainda mais esse hábito”, conta o psicólogo.
Quando o excesso em pedir desculpa por tudo pesa
Além das influências sociais e culturais, o hábito constante de se desculpar também deixa marcas profundas no emocional. Com o tempo, esse comportamento altera a forma como a pessoa se percebe, afetando a confiança, o bem-estar e a maneira como se relaciona com os outros.
Damião explica os impactos emocionais. “A repetição excessiva de pedidos de desculpas consolida uma autoimagem negativa, na qual o indivíduo se percebe como a fonte de problemas, fomentando sentimentos de inadequação. A autoimagem pode ser gradualmente distorcida, com o indivíduo passando a se definir predominantemente por seus erros, negligenciando suas qualidades e conquistas”, destaca.
As consequências mais frequentes incluem ansiedade crônica, culpa constante mesmo sem motivo e a tendência a assumir uma posição de submissão nos relacionamentos.
“Pedir desculpas é algo saudável quando genuíno. O problema é quando vira automático e sem necessidade. Isso porque enfraquece a própria voz da pessoa e pode passar a impressão de submissão constante. A questão não está na desculpa em si, mas no que causa esse comportamento em excesso. É isso que precisamos observar”, complementa a neuropsicóloga.
Damião traz pontos importantes de reflexão antes de deixar a palavra escapar. “A genuína retratação se inicia com a percepção de que houve um prejuízo efetivo, seja ele material, emocional ou moral. Então, pergunte-se: ‘Houve impacto real sobre o outro?’, ‘Ocorreu desrespeito, ofensa ou negligência significativa?’ ou estou pedindo desculpas apenas para aliviar a minha própria ansiedade?”
Um convite ao equilíbrio
Segundo o psicólogo, existem estratégias para reduzir a culpa excessiva e às vezes desnecessária. “O processo terapêutico envolve a revisão de crenças inflexíveis e o desenvolvimento de novas habilidades emocionais. Através da TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental), o paciente explora e questiona pensamentos automáticos. É fundamental também o treinamento em assertividade, para expressar opiniões e necessidades, inclusive a capacidade de recusar pedidos, sem receio de rejeição.”
- Pausas conscientes: antes de falar, respire e avalie se é necessário se desculpar ou se apenas um gesto de gentileza resolve a situação;
- Substituição verbal: em situações pequenas, substitua “desculpa” por expressões neutras como “obrigado pela paciência” ou “posso ceder a vez?”;
- Autocompaixão: lembre-se de que todos cometem pequenos erros ou ocupam espaço. Não é necessário se desculpar por existir;
- Diário de situações: anote momentos em que você pediu desculpas desnecessariamente e reflita sobre alternativas de resposta;
- Prática de limites: exercite dizer “não” ou recusar pedidos pequenos, entendendo que assertividade não é desrespeito.
Ele ainda aponta a relação com o perfeccionismo: “O perfeccionismo desadaptativo, marcado pela autocrítica severa e pelo medo incapacitante de errar, anda de mãos dadas com a necessidade de se desculpar em excesso. É um ciclo: o medo de falhar leva ao pedido de desculpas antecipado, que reforça a sensação de inadequação e aumenta ainda mais o medo de falhar.”
“Quando se torna automático e desproporcional, o pedido de desculpas perde seu significado de cuidado e passa a indicar insegurança. O equilíbrio está em assumir responsabilidades quando necessário, mas também aprender a valorizar-se sem precisar se desculpar pela própria existência.”








