5 de dezembro de 2025
sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Como a internet pode nos transformar em homens das cavernas

Em primeiro lugar, o título é uma pegadinha: nós temos uma imagem de nossos ancestrais (que estou chamando aqui pelo nome estereotipado de “homens das cavernas”) como seres primitivos, de aparência simiesca e inteligência limitada. Uma frase usada em publicidade diz “é tão simples que um homem das cavernas poderia fazer”, mostrando o quanto nós desprezamos a capacidade dessas pessoas. No entanto, quero destacar uma característica dos nossos tatatatatataravós que é muito pouco conhecida: a enorme capacidade que eles tinham para interagir com o mundo que os cercava, algo que nós perdemos e talvez possamos recuperar.

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Essa ideia não é nova. O livro Sapiens: uma breve história da humanidade, do autor israelense Yuval Noah Harari, explica que, durante dezenas de milhares de anos, nossos ancestrais passavam grande parte do tempo caçando, pescando e coletando vegetais. Essas atividades eram tão importantes que nossa mente foi moldada para realizar a caça e a coleta, e os reflexos dessa época persistem até hoje.

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Por exemplo: nossa tendência a gostar de alimentos doces e gordurosos é vestígio de um tempo em que, devido à escassez de alimento, as pessoas que acumulavam mais energia tinham uma maior tendência a sobreviver. Então, o gosto por doce e gordura era uma vantagem evolutiva, já que esse tipo de comida se acumulava mais no corpo. Da mesma forma, a necessidade de coordenar grandes grupos de caça e coleta provavelmente deu origem a vários dos nossos hábitos sociais, como o de fazer fofoca, espalhando informações sobre os membros da comunidade. Hábitos semelhantes são observados em outros animais sociais, como macacos.

"Você não vai acreditar quem mudou pra árvore do lado..."
“Você não vai acreditar quem mudou pra árvore do lado…”

Agora, a ideia que vai contra o senso-comum: os caçadores-coletores eram, individualmente, muito mais habilidosos e conhecedores dos animais, plantas e sobrevivência do que nós. Cada pessoa tinha que ser capaz de se orientar pelas estrelas e de classificar plantas e animais de acordo com sua utilidade e periculosidade, entre outros conhecimentos fundamentais para o seu cotidiano. Eles não eram, como nós podemos pensar do alto de nossa arrogância, seres inferiores que sobreviviam em um ambiente hostil por pura sorte (o antropólogo Jared Diamond, autor de Armas, Germes e Aço, chegou a uma conclusão semelhante, notando que os aborígenes da Oceania são muito inteligentes, autônomos e detentores de conhecimentos que impressionam os maiores estudiosos ocidentais).

Esses dois não estão participando de um reality show de sobrevivência. Eles estão sobrevivendo de verdade!

O que aconteceu desde então? Por que, hoje, a maioria de nós não sabe diferenciar uma planta comestível de uma venenosa? Ocorre que, após a Revolução Agrícola, os indivíduos passaram a delegar a posse de informações específicas a especialistas. As pessoas não tinham mais os dados necessários para coletar e preparar a própria comida, decidir sobre seus hábitos de saúde ou se educar. É verdade que o volume de conhecimento total se expandiu muito, mas a parcela de conhecimento que cada um possui diminuiu demais. Além disso, pela necessidade de atender a demandas muito específicas e artificiais (como consertar aspiradores de pó ou negociar derivativos na Bolsa de Valores), as pessoas deixaram de lado habilidades de utilidade mais imediata, como escolher alimentos ou identificar ameaças.

Em defesa do Calvin, pode-se dizer que o conhecimento que a professora dele está pedindo também não tem muita utilização prática…

Corta para o final do século XX: quando parecia que estava todo mundo condenado a saber cada vez mais sobre cada vez menos, surgiu a internet. Voltamos à época em que o conhecimento está acessível a praticamente todas as pessoas, desde que atendidas algumas condições de alfabetização e acesso à rede mundial de informação. Agora, é possível a qualquer pessoa com um smartphone e um plano de dados ter informações que, há duas décadas, apenas um médico, advogado ou cientista teria. Isso não significa, naturalmente, que esses profissionais se tornaram desnecessários, mas sim que a população em geral pode participar de discussões (e tomar decisões) nessas áreas com muito mais propriedade do que poderia no passado.

O problema é que, educados para confiar cegamente em especialistas, nós não nos preparamos para aproveitar esses recursos informacionais. A geração que está com 30 ou 40 anos aprendeu, nas escolas, a acreditar no que dizem as autoridades e a seguir ordens dos chefes. Agora, com as profissões exigindo autonomia e um volume gigantesco de informações contraditórias circulando nas redes sociais, nós ficamos perdidos, muito mais desorientados que os caçadores-coletores de 100 mil anos atrás em uma floresta perigosa. Quem é o primitivo?

“Meus conhecimentos de implantação de redes e servidores não estão ajudando…”

Calma, existe uma saída. Como as informações estão disponíveis a todos, o que torna as pessoas mais eficientes não é a posse dos dados, mas sim a capacidade de usá-los de forma coerente. A chave aqui é o uso de evidências: da mesma forma que nossos ancestrais se localizavam ao ar livre por meio das estrelas e sabiam identificar as plantas mais úteis para consumo, os profissionais atuais serão mais valorizados se forem capazes de se localizar em meio ao mar de dados disponíveis na internet e identificar as ações mais úteis com base em informações concretas.

Um exemplo prático: muitos de nós fomos educados para acreditar que comprar um imóvel é melhor que alugar (acreditando em especialistas que diziam isso). No entanto, o mercado mudou muito, de forma que, em determinadas condições, alugar imóveis é um negócio bem melhor do que comprá-los. Como saber disso? Basta analisar os dados que estão disponíveis a todos, como a taxa de rendimento de aplicações e os valores médios de imóveis para compra e aluguel. Se um imóvel tem pouca probabilidade de valorização, o aluguel custa 0,4% do preço do imóvel e uma aplicação conservadora rende 0,5%, é melhor aplicar o dinheiro e usar o rendimento para pagar o aluguel. Esse é o tipo de decisão que deve ser tomada com base em evidências, não importa o que o corretor de imóveis diga.

Analisar os dados ajuda a evitar armadilhas

Ao contrário do que os desenhos animados dão a entender, nossos antepassados tinham muito conhecimento sobre o mundo que os cercava e diversas habilidades úteis para seu cotidiano. Com o tempo, as pessoas perderam esses recursos, passando a depender de especialistas. Mas, agora, é novamente possível, para cada um de nós, acessar informações, transformá-las em conhecimento e desenvolver habilidades que serão importantes: basta valorizar mais a análise cuidadosa das evidências do que a opinião de outras pessoas. É tão simples que um homem das cavernas poderia fazer!

Em uma próxima postagem, vou falar sobre como aplicar esse princípio à educação, uma área em que o uso de evidências é paradoxalmente muito pouco disseminado. Até breve!

 

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Cícero Gomes
Cícero Gomes
Sou formado em Letras na Unicamp e coleciono jogos de tabuleiro, livros, videogames e miniaturas. Gosto de diversos assuntos nerds. Atualmente trabalho como gerente de RH em uma editora da área de educação, mas também dou algumas consultorias em gamificação e storytelling e fui professor de redação por 23 anos.

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