Boa parte das visitas à loja fictícia Durval Discos, que no filme homônimo de Anna Muylaert ocupava o térreo de um sobrado decadente no bairro de Pinheiros, nos anos 1990, se resumia a provocações: “O ano 2000 tá aí, hein? O CD tá predominando e o LP vai acabar”.
Assim como Durval, lojistas de todos os portes encerraram seus negócios ao redor do mundo, mas o fortalecimento inesperado da indústria de vinil, nos últimos 15 anos, mostrou que a previsão fatalista não era definitiva. Tanto é assim que, no ano passado, a cantora Taylor Swift chegou a faturar mais com a venda de cópias em vinil de “Midnights”, sua última obra, do que com a venda de CDs desse mesmo álbum.
Em plena era da música digital, a busca pelo formato analógico redesenhou o mercado e montou o que parecia ser o cenário ideal: fábricas de vinil a todo vapor, lojistas aproveitando a valorização de discos antigos e a multiplicação de fãs.
Corta para março de 2020. Para os vendedores de São Paulo, o primeiro momento da pandemia de Covid-19 foi um susto tão grande quanto o surgimento do CD. Aqueles que não estavam familiarizados com as vendas online não resistiram aos lockdowns e precisaram fechar as portas em definitivo.
Lojas-bares, como a Sensorial Discos, tampouco resistiram. Já aquelas que vinham usando redes sociais e sites para anunciar seus discos, em geral, conseguiram manter as lojas físicas até a reabertura. E estas tiveram uma grata surpresa: as vendas deram um salto.
Lojista instalado na tradicional Galeria Boulevard, no centro, Chico Carvalho, da Chico&Zico, nota essa percepção. “Continuamos pagando as despesas pelas vendas no Instagram e no Discogs [site de vendas internacional]. As vendas aumentaram, mas quem não tinha costume de vender online não segurou a barra. Aqui já houve 20 lojas e hoje existem apenas quatro.”
Ex-sonoplasta e ex-metalúrgico, Chico contabiliza 25 anos em vendas de discos: primeiro com um depósito no bairro do Tucuruvi, na zona norte, depois com uma loja no centro. “Eu sempre acreditei no vinil. Nunca me arrependi de estocar discos, mesmo duplicados. Foi com isso que sobrevivemos ao CD e chegamos até aqui”, detalhou.
O ex-economista Celso Marcílio foi um dos lojistas que deixaram a Galeria Boulevard em meio à pandemia. No ramo desde que perdeu a visão em um acidente, há 25 anos, reabriu a loja em maio, no bairro do Piqueri, na zona norte. “As vendas aumentaram na pandemia e o Instagram foi o nosso principal canal. Desenvolvi uma logística de entrega de discos em 24 horas na Grande São Paulo e funcionou bem. Depois, assumi o risco de reabrir a loja fora do eixo central, e os clientes aprovaram a mudança”, comentou.
A Galeria Nova Barão, no centro, trocou a hegemonia dos salões de beleza pela de lojas de discos —hoje, há 25 delas por lá. Luiz Silva, da Baú Discos, vende discos há 44 anos e chegou na galeria há dez. Na pandemia, manteve as contas em dia através do Instagram. “Cerca de 10 lojas fecharam, a maior parte porque não vendia pela internet. Mas, com a flexibilização da pandemia, chegaram novos lojistas, porque aqui se tornou uma referência”, opinou.
Também na região central, a Galeria do Rock já chegou a ter 84 lojas de discos abertas entre os anos 1970 e 1980, mas hoje conta com 11, de acordo com Luiz Calanca, proprietário da Baratos Afins, na ativa desde 1978. Agente cultural importante para a cena musical independente de São Paulo, inclusive através de um selo próprio, Calanca também se voltou para as vias digitais para manter a loja em funcionamento na pandemia. “Vendemos pelo nosso site, mas apenas isso. Não acho interessante sites de compra e venda, onde são praticados preços inflacionados. Para mim, a dinâmica da loja física, do contato com o cliente, é imprescindível”, avaliou.
Com suas lojas em atividade, esses vendedores contribuem para manter a arquitetura afetivo-musical de São Paulo a despeito de intempéries de ordem tecnológica ou pandêmica. Para eles, ainda vale a máxima do fictício Durval, em resposta às provocações do cliente fatalista quanto ao futuro do vinil: é possível até que o som seja melhor em mídias mais modernas, mas a música, não.
Veja, abaixo, onde comprar discos de vinil em São Paulo.
Baratos Afins
Uma loja-templo que se mantém aberta desde 1978, no segundo andar da Galeria do Rock. Definido pelo dono como uma “loja de drogas musicais”, reúne discos raros, nacionais e importados. A galeria, que chegou a ter 84 lojas de discos após a chegada da Baratos, ainda conta com outras 11 atualmente.
Galeria do Rock – Av. São João, 439, 2º andar, lojas 314/318, Centro, Instagram @baratosafinsoficial
Casarão do Vinil
O espaço já valeria uma visita pelo valor arquitetônico do casarão eclético dos anos 1940, que foi adaptado para comportar diversas salas especializadas em estilos musicais diferentes. O acervo internacional se destaca pela quantidade de títulos, que abrangem pop, dance, rock e jazz. Além de LPs, conta com compactos, CDs e fitas K7.
R. dos Trilhos, 1212, Alto da Mooca, Instagram @casaraodovinil
Celsom
A especialidade em cantoras nacionais se expressa na diversidade de títulos, mas rock e samba também têm espaço privilegiado. Com acervo diferenciado e atendimento cuidadoso, com direito a audições à sua escolha, a pequena loja distante do circuito central é uma das visitas mais acertadas.
R. Coronel Bento Bicudo, 881A, Piqueri, Instagram @celsomdiscos
Chico&Zico
Uma das poucas remanescentes do 1º andar da Galeria Boulevard, no Centro. Destaca-se pelo acervo de 80 mil títulos e a facilidade para encontrar artistas específicos. A MPB, o rock e o samba são os estilos preponderantes. Os preços vão de R$ 20 a quatro dígitos, nos títulos mais raros. Os atrativos consistem em um atendimento atento e no desconto de 50% sobre os valores das gôndolas.
Galeria Boulevard – R. 24 de Maio, 188, 1º andar, loja 119, República, Instagram @chicoezico.discos
Disconcert
A loja pequena e charmosa ocupa uma sala comercial discreta no coração de Perdizes, desde 1990. O acervo é renovado com frequência e se concentra em rock, MPB, jazz, soul, blues e reggae. Álbuns clássicos de Rita Lee, Gal Costa, David Bowie, Al Green, Bob Marley e Ramones nunca saem de catálogo por ali. Também há CDs disponíveis.
R. Vanderley, 398, Perdizes, Instagram @disconcert_records
Discomania
A organização do acervo robusto em gôndolas com os nomes dos artistas e gêneros musicais facilita a busca. MPB, samba, rock, jazz e trilhas sonoras de filmes e novelas respondem pela maior parte dos discos. A diversidade de títulos de cantoras e cant ores brasileiros de várias épocas e estilos se sobressai. R. Augusta, 560, Consolação
Eric Discos
Em atividade desde 1978, possui um acervo consistente em diversas searas, especialmente rock, punk e MPB. A atmosfera “Swingin’ London” do espaço, que conta com diversos ambientes “instagramáveis”, se deve ao estilo de seu dono, o ex-banqueiro inglês Eric Crauford, que se mudou para a capital paulista em 1972.
R. Artur de Azevedo, 1.874, Pinheiros, site ericdiscos.com.br
Feiras de antiguidades
A feira da praça Benedito Calixto, em Pinheiros, aos sábados, e a feira do Bixiga, na Bela Vista, aos domingos, contam com vendedores fixos que possuem acervos significativos de rock e MPB. Artistas como Beatles, Pink Floyd, Caetano Veloso e Elis Regina costumam ter etiquetas próprias devido à alta procura. No caso da Benedito, outros vendedores se instalam ao longo da rua Teodoro Sampaio para aproveitar o movimento.
Instagram @feirabeneditocalixto.oficial e @feiradobixiga
Galeria Nova Barão
O 1º andar reúne 25 lojas. A maior parte delas preza pelo ecletismo, sendo a MPB e o rock os campeões em acervo. A diversidade e o bom atendimento da Quebrada Discos, África Brasil, Disco Sete, Sonzera e Baú dos Discos se destacam. A Locomotiva e a Medusa Records, especializadas em vinis novos, também valem uma visita atenta.
R. Nova Barão, 35, República
Quebrada Discos: @madeinquebradadisco
África Brasil: @africabrasildiscos
Disco Sete: @disco7vinil
Sonzera: @sonzera_records
Baú dos Discos: @baudosdiscos
Locomotiva: @locomotivadiscos
Medusa Records: @medusa_records
Patuá Discos
Criado em 2014 pelos DJs Paulão e RamiroZ, o espaço conta com um acervo diverso de MPB, jazz, soul, funk, rock, reggae e rap, além de afro & latin beats. O evento semanal Vai Na Fé! costuma reunir discotecagens, lançamentos e pocket shows. No mesmo bairro, também se destaca a loja Discos da Vila.
Patuá Discos: r. Fidalga, 516, Vila Madalena, Instagram @patuadiscos
Discos da Vila: r. Fradique Coutinho, 828, Vila Madalena