A importância de se trabalhar da identidade negra no Brasil, ela é fundamental. Temos que voltar no tempo e recontar essa história, onde os principais protagonizadores não são exatamente os exploradores europeus, são aqueles povos originários que aqui estavam e que sofreu um apagamento brutal.
O apagamento dos povos indígenas e toda a sua história, feita pelas mãos da igreja em um processo de catequização invisibilizando as suas religiosidades, as suas crenças e principalmente a sua identidade de povos originários. A resistência dos povo indígenas se dá até hoje, embora todo esse processo de apagamento obteve pleno êxito pois hoje no Brasil se tem uma população indígena muito menor do que na época de invasão dos portugueses.
Em relação à população negra, das pessoas negras que vivem no Brasil, o processo foi muito mais violento, porque começa num processo de captura em África e depois a travessia do Atlântico nos navios negreiros.
E o comércio transatlântico, o comércio de escravos, foi a principal fonte de acumulação de riqueza no Brasil. Então, a sua identidade começa a se perder aí, chegando em terras brasileiras, o seu nome é completamente mudado, a sua língua, as suas crenças, tudo isso é num processo muito violento de destruição da cultura e do universo cultural dos povos negros escravizados.
No entanto, foi o trabalho negro, o sangue negro, que construiu essa nação. A população negra, os povos escravizados foram os principais artífices da economia do país, foram as principais figuras dos círculos econômicos, da cana de açúcar, da mineração, e mais recentemente, do café.
Em todos esses processos, o trabalho negro esteve presente. Sem falar da construção das cidades, das arquiteturas, da contribuição na cultura, na música, na religiosidade. Tudo isso passa por um processo de reelaboração para que isso caia no gosto do homem branco. E também pra aceitação do homem branco dessas manifestações culturais.
Os povos negros foram escravizados sem direito a nenhuma recompensa pelo trabalho feito, trabalho compulsório, vivendo em péssimas condições, sobre castigos, torturas, sofrimentos, destruição das famílias, filhos separados das mães, foi um processo muito violento.
Mas o país foi construído por nós, negros. E no entanto, hoje nós não temos direito de estudar nas universidades que nós construímos. Nós não temos direito de praticar as nossas religiosidades enquanto nós construímos todas as igrejas cristãs que existem neste país, mas nós não podemos praticar a nossa religiosidade negro africana.
Os negros escravizados se rebelaram contra esse processo, nunca aceitaram, sempre lutaram contra esse estado de coisas, através dos quilombos, o maior deles: o quilombo dos Palmares.
Eu estive recentemente, lá na Serra da Barriga, e eu vi e senti o quanto que aquela energia me remontava naqueles tempos e a gente nunca aceitou esse rincão, esse grilhão que até hoje estão colocando nos nossos pés. A nossa liberdade é super limitada. Nós somos vigiados o tempo todo pelo estado, pelo estado do assassino, através das suas polícias. Nós somos mortos e assassinados.
E no século 20, a gente se encontra com um fenômeno que é tão perverso quanto o trabalho forçado da escravidão, que é o racismo, a discriminação e o preconceito. Então, por todo esse exposto a necessidade da população negra e da população indígena afirmarem a sua identidade é um processo imprescindível.
Logicamente que a afirmação dessa identidade não se dá combinando com o inimigo, de forma pacífica, ela se dá através da resistência da luta, no enfrentamento ao estado assassino. Em contrapartida, somos mortos por esse estado que não nos garante direito nenhum, a falsa abolição não garantiu direito nenhum para os ex-escravizados, pros escravos libertos, pelo contrário, fomos jogados pros guetos, pros morros, pras favelas e vivemos lá até hoje.
Simplesmente porque somos povos afrodescendentes, porque tudo que vem da África é negado aqui no Brasil.
A primeira luta que nós travamos, é a luta pela liberdade.
A segunda mais importante é a luta pela afirmação da nossa identidade.
Nós não queremos ser chamados por nomes europeus, nós queremos os nossos nomes originários.
Nós queremos que seja reconhecido que o nosso trabalho construiu esse país!
Que seja reconhecido que nós temos uma cultura riquíssima! Que seja reconhecido que a cultura brasileira é negra na sua essência, na música, na fala, na linguagem. Em todos os momentos da sociedade, você vê a cultura negra pulsando, no entanto não podemos lutar pela nossa identidade.
Essa é a principal luta do movimento negro: Afirmar nossa identidade! Não ter vergonha e nenhum complexo, porque nós somos pessoas negras. É de cabeça erguida, lutando de punho cerrado, que nós vamos seguir!
Temos muitas conquistas, principalmente depois do fim da ditadura e da redemocratização, conseguimos muitos avanços, mas nada foi dado pelo Estado. Nós conquistamos na marra e temos muito a conquistar. Precisamos ocupar os espaços de poderes políticos, precisamos ocupar os espaços acadêmicos, precisamos ocupar todos os espaços positivos da sociedade pra fazer valer a nossa força, a nossa identidade e afirmar os direitos que a gente tem.
Para você ter uma ideia, rico não paga imposto no Brasil, quem paga imposto no Brasil é pobre, considerando que nós somos oitenta por cento da população pobre desse país, somos nós que ainda continuamos sustentando financeiramente esse país. Nós que pagamos mais imposto e não temos retribuição nenhuma desse dinheiro, desse imposto que a gente paga.