No churrasco de domingo, entre goles de cerveja e risadas altas, a profundidade nas conversas sobre como estão realmente vai se perdendo. Abraços só aparecem após um gol na partida dominical. O afeto muitas vezes se manifesta em gestos práticos, silêncios confortáveis e piadas internas, mas raramente em palavras que tocam o coração. Algumas amizades masculinas, embora sólidas e constantes, carecem da vulnerabilidade expressada por meio de palavras. Isso levanta a questão: por que é tão desafiador, para muitos homens, falar sobre seus sentimentos?
Limites da intimidade emocional
A amizade entre homens é baseada em confiança, presença, lealdade e companheirismo. “Um amigo é alguém com quem se pode contar, compartilhar experiências práticas como jogos, viagens, cervejas, problemas técnicos e, por vezes, até silêncios”, explica Luciano Gomes dos Santos, cientista social e professor do UniArnaldo Centro Universitário. Entretanto, mesmo com uma presença física constante, a disponibilidade e a intimidade emocional nem sempre estão presentes.
A variação é grande dependendo da pessoa e do contexto cultural e familiar. De modo geral, é menos comum encontrar homens que verbalizam sentimentos e aprofundam-se emocionalmente nas conversas com amigos, em comparação a mulheres. Esta diferença tem raízes culturais e está intrinsecamente ligada à construção dos papéis de gênero desde a infância. Meninas são incentivadas a serem expressivas, cuidadosas e acolhedoras, enquanto meninos são frequentemente ensinados a serem fortes e a não chorarem.
Luciano aponta que a “homofobia estrutural” tem um papel crucial nesta questão, gerando medo de que gestos e palavras de carinho sejam mal interpretados. Isso alimenta um silenciamento afetivo entre os homens.
Silenciamento afetivo e o peso do patriarcado
A falta de vulnerabilidade emocional não indica que homens não sintam afeto por seus amigos. Existe um modelo de amizade mais contido, porém bastante significativo. O afeto é demonstrado de maneira diferente, com menos verbalização e manifestação física.
A importância da presença física em amizades masculinas não pode ser subestimada, mas ignorar a dimensão emocional dessas relações coloca em risco funções sociais e psicológicas essenciais do afeto, como a escuta e o acolhimento. O psicólogo Thiago Domingues destaca a necessidade de refletir sobre o patriarcado, um sistema social que privilegia homens, especialmente os brancos, cisgêneros e heterossexuais. “Difícil um homem reconhecer-se vulnerável em um sistema que valoriza poder e violência, ignorando a vida interior onde emoções fluidas e acolhedoras poderiam existir.”
Essa repressão afeta negativamente tanto homens quanto mulheres, impedindo a construção de vínculos saudáveis e redes de apoio emocionais. O resultado são altos índices de depressão e ansiedade, como refletem os dados do Ministério da Saúde que mostram taxas elevadas de suicídio entre homens.
Reconhecer é o primeiro passo
Muitos homens parecem não perceber as consequências práticas do distanciamento emocional. A inabilidade de perceber que as amizades masculinas são locais de cuidado e escuta só intensifica o isolamento emocional.
“É necessário incentivar os homens a vivenciarem uma vida interior plena, com laços genuínos e criativos que rompem com estereótipos socialmente construídos.”
É imperativo que homens compreendam a violência patriarcal e criem espaços afetivos para reparação e experiências acolhedoras. Thiago enfatiza que a responsabilidade dessa dinâmica não recai somente sobre os homens; é coletiva e cultural.
O desafio psicológico reside em harmonizar as dinâmicas associadas aos estereótipos de masculino e feminino. O cuidado e a afeição são vistos como “femininos”, enquanto força e coragem, como “masculinos”. Um excesso dessas energias provoca desequilíbrio no sistema psíquico e nas relações interpessoais.
Como estabelecer vínculos emocionais
Encabeçar mudanças requer que homens aceitem sua vulnerabilidade e questionem suas condições emocionais, saindo do entorpecimento de suas emoções. O afeto entre homens é saudável e necessário, fortalecendo tanto laços quanto a saúde mental.
Habilidades sociais como escuta e empatia são fundamentais para uma conexão afetiva. Manter a rotina com os amigos é viável, mas conversar profundamente pode enriquecer essas relações. Gestos simples e sinceros são eficazes para criar ambientes seguros onde a vulnerabilidade pode florescer.
“A amizade masculina deve transcender o companheirismo prático, tornando-se um espaço de crescimento, acolhimento e cura. Pois todo ser humano, independente do gênero, precisa ser visto, ouvido e acolhido.”