No feriado do Carnaval de 2025 comecei a ler um livro, que recentemente retomei, e se chama “No enxame: perspectivas do digital”, do filósofo Byung-Chul Han. Não vou dar spoilers da análise do filósofo, mas tem um conceito que ele traz no livro que me chamou a atenção: sobre o camponês de Hegel.
Para não te deixar no escuro sobre o assunto do livro, na contra capa traz um pouquinho do que é discutido no livro: “Arrastamo-nos por trás da mídia digital, que, aquém da decisão consciente, transforma decisivamente nosso comportamento, nossa percepção, nossa sensação, nosso pensamento, nossa vida em conjunto. Um enxame digital! Embriagamos-nos hoje em dia da mídia digital, sem que possamos avaliar inteiramente as consequências dessa embriaguez. Essa cegueira e a estupidez simultânea a ela constituem a crise atual”.
Resumindo do meu jeitinho, o camponês, para Hegel, é aquele que põe a mão na enxada, que cultiva, que vive e sobrevive com o que planta e colhe, é uma agir com as mãos. Na era digital, dessa mídia ultraprocessada que consumimos diariamente, o agir passa a ser com os dedos, deslizando em telas de celulares. E aqui vem o que me chamou a atenção, se agora usamos os dedos, as mãos atrofiam, e com essa facilidade de ter toda as informações na palma da mão, não a usamos corretamente, e por consequência, além das mãos atrofiadas, nosso pensamento também é atrofiado.
Essa “agilidade com os dedos” é notável quando comparamos gerações, há uma diferença entre uma pessoa de 80 anos digitando algo no celular para um adolescente de 14 anos.
Quando estava na graduação de Biblioteconomia já falávamos sobre a Era da Informação e como o trabalho dos bibliotecários(as) é conferir fontes e entregar aquilo que é informação real, fidedigna, basicamente o que é verdade, ainda mais na crescente de Fake News.
Hoje, ao meu ver, uma nova etapa da Era Digital, com a “moderação” das informações por Inteligências Artificiais, a tal “atrofia das mãos” se agrava, ainda mais em casos que podemos gravar um áudio do que queremos perguntar para uma IA. Questiono se já não estamos caminhando para a “atrofia dos dedos” e, consequentemente, atrofiando ainda mais o pensamento.
Quando era criança, era comum ouvir que a televisão emburrece. Hoje o TikTok emburrece. E o vídeogame desde sempre foi visto como estímulo para a violência. Cada geração tem a sua “ferramenta de emburrecimento”. Mas diferente dos vídeogames que podem ajudar pessoas a fazerem amizades e criarem vínculos, o TikTok afasta e mostra aquilo que deseja, que pode ser uma moça bonita dançando, ou conteúdos políticos que falam exatamente o que você pensa, ou a vida de alguém famoso que você queria ser ou ter a vida dessa pessoa.
Enfim, a internet já era um lugar hostil e perigoso com pouca regulamentação, com as IAs a situação piora, não só para riscos de cybercrimes, pedofilia e todo quanto é tipo de sujeira, mas também para o emburrecimento. Há quem não consiga distinguir um vídeo de IA para um vídeo real, as informações ficam cada vez mais obscuras e a mentira se passa por verdade para quem não está acostumado com essas ferramentas de IA. Infelizmente para saber o que vêm de IA é preciso trabalhar com ela ou acompanhar de perto o que está sendo produzido por IA internet a fora.
Sem regulamentação, as IAs, que são de empresas estrangeiras, podem colher nossos dados livremente e ganhar dinheiro às nossas custas, afinal você passa por vários “patrocinados” quando olha sua rede social. Mas sempre tem como piorar. Acompanho notícias de tecnologia e IAs pelo canal de YouTube “Tecnologia e Classe (TeClas)”, e um vídeo recente traz um alerta da “normalização” de IAs como algo bacana (só que não): “A ministra de IA da Albânia”.
Se chegamos ao ponto de uma IA ser ministra, o que nos faz humanos? Acredito que a “[…] cegueira e a estupidez simultânea […] constituem a crise atual”, como Byung-Chul Han definiu, mas também que poucos se preocupam com a falta de questionamento, de senso crítico, de dialogar e construir algo junto – afinal é isso que nos faz humanos, o pensamento. Deixamos de pensar para perguntar para uma Inteligência Artificial, que não passa disso: artificial. Na Era Digital, poderíamos até dizer que o emburrecimento é uma escolha, mas na verdade é uma crise cultural, social e econômica, que escolhe quem vai ser “emburrecido”, que vai aceitar uma IA ser ministra. Você consegue pensar em quem sai perdendo nesse projeto político econômico capitalista? Quem querem emburrecer?






