Há um tempo ouvi uma pregação de um pastor luterano, em um evento ecumênico, que ele tinha ouvido de outro homem, de outra denominação, que na igreja dele estavam orando pela volta de Jesus, porque o mundo como está não tem solução.
No dia em que ouvi essa pregação, que falava sobre o sofrimento humano espalhado pela Terra, com guerras, violência, tragédias climáticas e como a fé sozinha não faz nada, que precisamos nos unir. Uma coisa ficou gravada na minha memória, além da história desse moço que ora com a sua igreja pela volta de Jesus, no sentido do mundo acabar mesmo. Ali entendi que não existe fé que resista ao capitalismo realismo.
Para falar disso, vou contar uma história e outro caso que observei. Começando pelo último, o caso em si, na verdade, foi um texto que li e que dizia que “a sociedade insiste em limitar o que deveria ser natural”. Quando li isso, prontamente pensei: a sociedade é um ente poderoso assim? Ou somos inseridos num mundo de regras e normas que, se você não acumula bens e riqueza, você é explorado, pobre e acabado? E pode até parecer óbvio, mas não é, de que a estrutura que rege boa parte do mundo é uma estrutura capitalista, que não é natural, não foi “naturalmente” adotada por países, foi na base de muita violência e guerras ao redor do mundo para que esse modelo neoliberal se instalasse.
E aqui conto a história. No ano passado, tive uma aula muito significativa na Escola de Justiça Racial do Movimento Negro Evangélico do ES. Na ocasião, a aula que quero falar aqui foi ministrada pela professora Rebecah Sampaio, que contou um causo sobre comer um ovo de Páscoa que tinha uma pontinha que tinha mofado, mas que mesmo não comendo essa parte já estragada, ela passou mal. Resumi a história, mas o cerne que quero chegar é na analogia feita pela professora, que ao comer o ovo de Páscoa que parecia bom, na verdade, o ovo todo já tinha estragado, que a pontinha que tinha o mofo era sinal de que a comida em si já não estava própria para o consumo. E assim é a estrutura capitalista, nesse caso falamos muito na Escola de Justiça Racial sobre racismo, que não é natural e que é um pilar dessa “estrutura mofada”, assim como o ódio contra mulheres, LGBTs, idosos, crianças e adolescentes, e basicamente qualquer grupo que é estruturalmente marginalizado e violentado.
Toda essa introdução para trazer essa reflexão: se a estrutura capitalista é uma estrutura mofada, que parece normal, “tá bom ainda”, não é normal e ainda dá dor de barriga, ao ponto que orar pelo fim do mundo ou dizer que “é a sociedade que insiste nisso” se torna inútil, porque não fala da raiz do problema. Orar para Jesus voltar é um conformismo de que o mundo é assim e não tem o que ser feito, vamos orar pra acabar, porque a igreja não pode fazer nada. Ou que a sociedade é a culpada de tanta desigualdade, fome e violência.
No fim, damos nomes diferentes para não falar CAPITALISMO, e nos conformamos com essa estrutura capitalista que mata, destrói e tira toda a esperança. Só que ouvir de quem se diz cristão “que o mundo precisa acabar”, pra mim, é contraditório. É igual ouvir um nazista falar que é cristão, não combina. São falas de morte e quando lemos Jesus falar de morte?! Pelo contrário, Jesus fala de vida, afinal ele é a vida e a verdade. Cristo veio para simplificar, ame a Deus acima de todas as coisas e ame o próximo como a ti mesmo. É simples. Não precisamos de trocentas leis para entender o ensinamento de Cristo e segui-lo.
Só que sempre existiram e existem grupos, igrejas, religiosos, que se acham melhores que os outros. Quem nunca se deparou com evangélicos que têm discursos de ódio (geralmente contra religiões de matrizes africanas), ou que dizem que se você for da outra igreja, você vai para o inferno. É um show de horrores. A fé vira mercado pra quem quer lucrar nas costas de trouxas. Usam do sofrimento da classe trabalhadora para dizer que você precisa dar o dízimo se quer enriquecer.
Assim como o nazista cristão não é coerente, o capitalismo não é coerente com o Reino de Deus, não combina, pelo menos não com o que Jesus Cristo ensinou. É triste ver que, diante de tantas atrocidades que vemos acontecer ao redor do mundo, isso nos paralisa. Enquanto a realidade deveria ser ao contrário, deveria nos mobilizar, pois fomos ensinados a amar o próximo, a falar de vida e verdade, a sermos sal e luz do mundo.
Mas acredito que a fé que se baseia nessa lógica de acumular, nessa estrutura mofada, ou na fé que espera algo em troca, como se ajudar os outros fosse um jeito de conseguir uma casinha no céu, ou que é preciso seguir um monte de norma sem questionar e seguir cegamente o que o líder religioso diz, são tipos de fé que não sobrevivem às maldades de cada dia. Não resiste aos nossos sofrimentos, à desigualdade, à fome ou à guerra. Talvez devesse existir uma palavra diferente para explicar essa “fé que definha”.
Gosto da parte da Bíblia que diz que precisamos ser simples como a pomba e sagazes como a serpente. Infelizmente, não são todas as igrejas e denominações que permitem o questionamento, que permitem destruir e criar junto, sem perder de vista que não fazemos por nós, mas porque cremos em Cristo e que amar não é difícil, estender a mão para o próximo não é difícil, se mobilizar não é difícil. Mas o cristianismo e outras religiões foram e são usados para nos cegar desse mal, para acharmos que a estrutura capitalista mofada sempre existiu e sempre existirá. Acredito que o problema não é crer em um Deus ou mais deuses, mas sim dividir o que é fé e o que é consciência de classe, em dividir nós – deles, como se fôssemos diferentes.
Se a fé é tão poderosa para fazer uma igreja inteira orar pela volta de Jesus, pelo fim do mundo, é poderosa ao ponto de falarmos sociedade em vez de capitalismo. Realmente, se os fiéis tomassem consciência de classe, seria o fim dessa estrutura mofada.






