14 de junho de 2025
sábado, 14 de junho de 2025

A lembrança da posteridade é recompensa imediata

Você já sentiu uma pressão para ser produtivo? Ou que as demandas no seu trabalho chegam para ontem? Ou talvez aquele vídeo que te enviaram não termina nunca? Tudo é tão urgente, que no fim nada realmente é urgente. Recentemente escrevi sobre “conteúdo ultraprocessado”. Explicando brevemente com uma aspas de quem vi usando esse termo, Ora Thiago – Thiago Guimarães, o conteúdo ultraprocessado tem sim relação com o alimento ultraprocessado: “É aquela comida que só enche a barriga, mas não nutre. Informação também pode ser assim: calórica, acessível, barata, mas vazia”.

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Na era digital, pensar em conteúdo raso, ou ultraprocessado, vai além do que é publicado nas redes sociais. Como bibliotecária posso afirmar que tudo é informação, dependendo de quem vê. Esse “conteúdo” no fim é uma informação, mesmo que vazia e rasa.
Mas onde quero chegar com essa introdução? É bem simples: na ATENÇÃO. Sua atenção é vendida o tempo inteiro, seja assistindo TV, vendo algo no Instagram ou Facebook, assistindo um vídeo curto no YouTube ou TikTok, até respondendo no WhatsApp. Atenção é produto e visualizações dão dinheiro para alguém. 

Você pode argumentar que é só parar de ficar tanto no celular, não assistir tantos conteúdos vazios, ou se preferir: vai ler um livro. Mas até livros são rasos de conteúdos, só que essa história vai ficar para outro artigo. 

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Aqui quero te contar um segredo, não é tão simples largar o celular, até porque muitas pessoas são viciadas em uma coisa: recompensa imediata.

Para explicar o que é recompensa imediata, precisamos falar do Mecanismo de Recompensa Cerebral. “Esse sistema é formado por circuitos neuronais responsáveis pelas ações reforçadas positiva e negativamente. Quando nos deparamos com um estímulo prazeroso nosso cérebro lança um sinal (aumento de dopamina – importante neurotransmissor do SNC (Sistema Nervoso Central) – no núcleo accumbens – região central do sistema de recompensa e importante para os efeitos das drogas de abuso)”.

Se você pesquisar sobre recompensa imediata ou mecanismo de recompensa vai se deparar com uma gama de áreas, mas uma me chamou a atenção, que você viu a pouco: drogas de abuso. 

A última aspas é de um material feito pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, mais especificamente o “Módulo 2: efeitos das substâncias psicoativas”. E muitos se enganam achando que só droga pode viciar, reitero com mais uma explicação do Módulo 2: “Normalmente existe um aumento de dopamina com estímulos prazerosos: comida, atividade sexual, estímulos ambientais agradáveis, como […] escutar uma música da qual gostamos. As drogas de abuso […] induz[em] um aumento brusco e exacerbado de dopamina […]. Esse sinal é reforçador, associado a sensações de prazer, fazendo com que a busca pela droga se torne cada vez mais provável”. 

Esse artigo não é sobre uso de drogas. Mas você consegue perceber como o abuso de substâncias é bem próximo da recompensa imediata? É uma bomba de prazer, que vicia. Será que é tão diferente do que o celular se tornou na nossa sociedade? Assim como as drogas, o celular nos aprisiona, só que em um mundo digital, viciados em garantir aquele pico de dopamina, que pode ser um vídeo curto no TikTok, um Candy Crush ou fazendinha no facebook, uma aposta em alguma Bet, ou qualquer comportamento que já é bem entendido como “vício”. 

O problema não mora no vício em si, mas na dopamina. “A dopamina também ajuda na consolidação de memórias relacionadas a recompensas, melhorando as sinapses na parte do cérebro responsável pela memória e aprendizagem (o hipocampo)”. É aqui que queria chegar, no aprendizado. 

E se você, assim como eu, se interessa por essa área, vale a pena ler no site do Instituto de Psiquiatria do Paraná o artigo sobre “Mecanismos de recompensa: como o cérebro processa nossas conquistas?”.  

Como estamos aprendendo, se estamos viciados em recompensas imediatas? E como as crianças estão aprendendo, seguindo o nosso exemplo de ficar o dia todo no celular? Existem diversos estudos sobre o desempenho escolar e como a recompensa imediata afeta nosso aprendizado. Tem um que quero trazer para a nossa reflexão, o artigo de 4 autoras publicado na Revista Psicopedagogia, intitulado de “Funções executivas e desempenho escolar em crianças de 6 a 9 anos de idade”. 

Vale a pena ler o artigo completo, mas aqui destaco uma das explicações das autoras na investigação proposta: “[…] a regulação do estado pode ser compreendida como a capacidade de regulação da motivação e do esforço para conseguir alcançar um determinado objetivo, ou seja, a capacidade em mobilizar a atividade mental para adequar suas capacidades à demanda e assim alcançar objetivos. A aversão à demora pode ser compreendida como a dificuldade de sustentar longos intervalos de espera entre a emissão de resposta e a gratificação. Crianças com aversão à demora preferem escolher tarefas nas quais a recompensa é mais rápida do que escolher tarefas cujas recompensas são mais demoradas. Quando não há opção de escolha e há uma imposição de espera, crianças com aversão à demora podem demonstrar inatenção, frustração e aumento de tempo para realizar a tarefa”. 

Não tenho filhos, mas o pouco que convivo com crianças é nítido que elas absorvem tudo o que falamos e ensinamos. Se a criança já tem afinidade com a tecnologia, segue o exemplo que vê em casa, ou que os pais deixam ficar com o celular ou tablet para ter algum descanso, então estamos criando gerações viciadas em recompensas imediatas. Crianças que vão crescer, se tornar adultos impacientes, frustrados com tarefas que levam tempo, e que pouco vão absorver de conhecimento, se nada do que aprendem é fixado, já que a dopamina influencia na consolidação das memórias relacionadas a recompensas. 

Nas décadas de 50 e 60 não se via problema em vender produtos para crianças com o nome “Cigarrinhos de chocolate”. Hoje se teu filho não tem celular, é um absurdo! Talvez o celular seja o novo cigarrinho, ou melhor a recompensa imediata que vem do celular é a nova droga de abuso. E abusamos muito dessa droga! Damos exemplo para as crianças que convivem conosco que a vida sem celular não é possível, que tem tudo pressa, que é pra ontem, que nada pode durar mais do que um vídeo de Tik Tok, passou de 20 segundos, já não vale mais a pena. Isso não é um problema das novas gerações, é de como nós não soubemos lidar com a internet, com o excesso de informação, ao ponto de não saber distinguir uma notícia falsa ou um vídeo de Inteligência Artificial, e repassamos tudo isso para os mais jovens. Não é mais como Cícero disse: “A lembrança da posteridade recompensa a brevidade da vida”. O que fica para a posteridade é a bomba de dopamina por recompensa imediata. 

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Leticia Aguiar
Leticia Aguiar
Letícia Cristina é bibliotecária, empreendedora, costureira e amante dos cuidados capilares.

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