A aparência de glamour que muitas vezes envolve a profissão de jornalista na verdade mascara uma intensa precarização do trabalho nessa área.
Esse cenário foi amplamente discutido por especialistas em um recente debate. A discussão ocorre em um momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) julga um processo que pode legalizar a prática de pejotização, um tipo de fraude trabalhista onde empresas contratam profissionais como Pessoa Jurídica (PJ) para evitar responsabilidades trabalhistas segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Impacto da Pejotização no Jornalismo
Samira de Castro, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), afirmou: “Temos uma pejotização irrestrita na comunicação, uma fraude utilizada por empregadores para maximizar lucros às custas da nossa mão-de-obra”.
Esse fenômeno de pejotização teve início nos anos 1980 e avançou ao ponto em que muitos profissionais se tornaram freelancers permanentes ou sócios-cotistas. Atualmente, há um aumento significativo de trabalhadores autônomos na área da comunicação.
Conforme dados da Receita Federal fornecidos à Fenaj, até 3 de junho deste ano, foram registradas 33.252 empresas como microempreendedores individuais (MEI) em atividades editoriais;
Samira destaca: “Existem 33 mil pessoas editando jornais e revistas no país? Obviamente não, isso mostra a extensão da fraude. Nossos 31 sindicatos recebem denúncias frequentes de tentativas de ocultar vínculos formais.”
Com o tema no STF, Samira alerta para um possível retrocesso: “Ganhávamos na Justiça do Trabalho, provando vínculo e direitos. Agora, temas no STF são um duro golpe à classe trabalhadora, incluindo jornalistas”.
O jornalismo formal também apresenta declínio significativo, com uma redução de 18% nos empregos com CLT em dez anos, de acordo com o Dieese. Dados compilados pela RAIS e CAGED mostram que em 2013 eram 60.899 jornalistas com carteira assinada, número que caiu para 40.917 em 2023.A Fenaj divulgou esses números.
Consciência e Organização Sindical
Jorge Souto Maior, jurista e professor de direito do trabalho da USP, pontua: “Na comunicação, as empresas formam uma espécie de cartel. Se uma pessoa não aceita condições impostas, não encontra emprego no setor.”
A reação deve ser coletiva, através da consciência de classe e organização sindical.
Souto Maior lembra: “Jornalistas se veem como empreendedores, mas são explorados tanto quanto trabalhadores manuais. Precisamos união, sindicato, greve e ação política.”
Para Samira de Castro, é crucial derrubar a narrativa de que jornalistas são autônomos. “Trabalhadores estão subordinados a veículos e essa pejotização é devastadora.”
Souto Maior conclui: “Ser parte da classe trabalhadora é reconhecer a realidade. Somos obrigados a lutar por melhores condições. Resolver problemas isoladamente é impossível.”
Tecnologia e Precarização
Além da pejotização, a reconfiguração do trabalho pelas Big Techs exacerbou a precarização, de acordo com a professora Roseli Figaro da USP.
Roseli afirma: “Grandes empresas controlam produção e fluxo de informação. Dominam ferramentas essenciais ao trabalho em várias profissões, inclusive comunicação.”
A era do capitalismo informacional, segundo Roseli, subordinou empresas tradicionais de comunicação às grandes de tecnologia.
Roseli questiona: “A monetização de notícias foi absorvida pela inteligência artificial, como o Google Gemini. Links e tráfego anteriores são obsoletos, levando a apropriação da propriedade intelectual.”
O uso de inteligência artificial generativa impacta a indústria jornalística, e especialistas pedem urgência na regulamentação governamental.