quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Cotas para pessoas trans. E eu com isso?

Como é a realidade no Brasil?

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Esses dias uma pessoa me disse assim: “sou contra cotas para trans. Daqui a pouco vai ser crime ser heterossexual”. Será?

Primeiro cabe entender o que é o sistema de cotas e qual sua razão de existir. Bem, o sistema de cotas estabelece regras específicas que visam garantir um acesso maior de pessoas que possuem um contexto histórico de maior exclusão e preconceito. Assim, um determinado percentual de vagas ofertadas é destinado exclusivamente para essas pessoas.

“Ah, mas essas pessoas estão lá no final da fila e vão passar na minha frente”, shhhhhh, não fala besteira. É um pequeno percentual reservado para pessoas que foram excluídas pela sociedade, ou seja, por nós mesmos. Então é sim necessária a adoção de políticas afirmativas (que, diga-se de passagem, são transitórias) com o fim de reduzir as desigualdades que nós mesmos criamos. Então é hora de parar de passar vergonha na internet e nas rodas de conversa e passar a fazer parte da solução.

Eu já tenho dito aqui nessa coluna sobre as desigualdades que o preconceito contra a população LGBTQIAPN+ causa na vida dessas pessoas, em especial às pessoas transexuais. Como eu sei que sempre tem uns “esquecidinhos” por aí, vou repetir: o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo (há 14 anos); o Brasil é o país que mais consome conteúdo pornográfico na temática trans e travesti no mundo! Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), apenas 10% dessa população está inserida no mercado de trabalho formal. Cerca de 82% das mulheres transexuais e travestis abandonam o ensino médio entre os 14 e os 18 anos. Então sobra apenas o trabalho sexual para essa população. Tudo isso resulta numa expectativa de vida de apenas 35 anos em média.

Em razão desses dados e do preconceito arraigado em nossa sociedade – que faz com que as pessoas trans e travestis não tenham oportunidades – vários órgãos, entidades e universidades têm legislado com o fim de criar cotas para essa população. Mas infelizmente ainda não existe uma lei federal que garanta a política de cotas para essas pessoas. Inclusive o chamado “ENEM dos Concursos” que será promovido pelo Governo Federal e que teve anúncio de cotas por parte do Ministro do Trabalho Luiz Marinho para pessoas trans, para a surpresa de um total de zero pessoas, não teve. Eram apenas 2% das vagas que seriam destinadas a essa população, mas mais uma vez o Governo Federal recua e segue fazendo parte do problema, vide o caso da nova carteira de identidade que prometia inclusão e se mostrou ainda mais excludente (também tratado nessa coluna).

Mas a política de cotas dá certo? Para isso, podemos olhar os dados referentes às cotas raciais para entender melhor, já que é a política mais antiga implementada em algumas universidades pelo país. Segundo a Universidade Federal do Espírito Santo, a UFES, os alunos cotistas tiveram desempenho superior em 5 dos 15 cursos analisados e rendimento semelhante nos demais, o que faz cair por terra o argumento de que o aluno cotista ingressaria nas universidades e não conseguiria render tal qual os não cotistas. E, se não fosse o sistema de cotas, esses alunos não teriam ingressado para a formação superior. Então sim, o sistema funciona.

Então não, não vai ser crime ser hétero. E não, ninguém vai tirar a sua vaga em concurso ou no ensino superior. Primeiramente porque a vaga não é sua, você não nasce com uma vaga destinada para você, alecrim dourado. As vagas para não cotistas vão continuar sendo ofertadas e cabe a essa flor de laranjeira concorrer, como sempre ocorreu (ou quase sempre, pois tem um pessoal que tem grana e financia fraudes nas provas, comprando vagas).

Eu sou parte da solução e você?

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