Era para a festa ser perfeita. Depois da pausa nos anos de pandemia, o South by Southwest (SXSW, ou “South by” para os íntimos) tinha tudo para brilhar no seu retorno na cidade de Austin, no Texas. O evento reúne anualmente boa parte da nata do setor de tecnologia e das indústrias criativas globais. Gera cerca de 350 milhões de dólares de receita para a cidade, mais do que o Superbowl trouxe quando foi realizado em Houston.
No entanto, um espectro assombrou o festival. O espectro do colapso financeiro do setor de tecnologia, representado pela falência em 48 horas do Silicon Valley Bank, ocorrida justamente na sexta-feira passada, 10, exatamente a data da abertura do SXSW. De repente, durante o fim de semana, o tema infiltrou-se em praticamente todos os painéis e rodas de conversa do evento.
Não importava o tema da palestra. Mesmo quem estava na plateia de sessões como “seu cachorro pode ajudar no desempenho do seu trabalho”, ou “a economia da Cannabis“, acabava ouvindo algum tipo de menção ou piada sobre o que estava ocorrendo nos mercados financeiros do lado de fora do evento. Já outros painéis mais diretamente relacionados ao tema, como “dicas para levantar dinheiro para sua start-up”, foram dominados totalmente pelo espectro.
No sábado, antes do Departamento do Tesouro americano anunciar que iria garantir todos os depósitos do Silicon Valley Bank, ouvi comentários de pessoas comparando o SXSW ao Baile da Ilha Fiscal, a última grande festa produzida por um mundo que está prestes a mudar de forma drástica e profunda.
Claro que a intervenção do Tesouro deu um alívio para os participantes. A preocupação de muita gente era que, ao voltar para casa depois do SXSW, seu emprego não estivesse mais lá, dada a anunciada incapacidade de várias empresas de tecnologia de honrarem seus compromissos se o dinheiro depositado no banco que ruiu tivesse vaporizado.
Nesse contexto, as palestras sobre tecnologia, curiosamente, pareceram datadas. Mesmo a querida Amy Webb, que todos os anos faz um balanço genial do estado do setor de tecnologia, pareceu estar descrevendo mais um mundo exuberante que está ficando no passado, um conjunto de futuros que vão se tornando na verdade imprevisíveis.
Já o fundador do Instagram, Kevin Systrom, que vendeu a empresa para o Facebook, apresentou sua nova start-up focada no universo de notícias. Projeto que pareceu anacrônico, dada a emergência das novas inteligências artificiais, como o Chat GPT.
Aliás, esse foi o tema que realmente mobilizou atenção no campo da tecnologia. Os chamados “grandes modelos e linguagem”, de fato, foram dos poucos temas que apontam para um futuro de expansão rápida, ainda que cheia de problemas, pontas soltas e fios desencapados. Vamos ouvir falar muito deles e dos seus desafios.
Com tudo isso, o campo que trouxe as contribuições mais significativas e úteis para o presente foi o de saúde mental e conhecimento pessoal. Por exemplo, o médico Deepak Chopra falou sobre bem-estar e a busca da felicidade através do autoconhecimento. Brilhou.
Já a psicoterapeuta Esther Perel fez outra fala brilhante sobre o que chamou de “intimidade artificial”. Ela descreveu como estamos presos em um mundo criado pela tecnologia que faz com que nossa atenção para com outras pessoas seja sempre parcial. Estamos com nossos parceiros, filhos e amigos, mas sempre com a cabeça no celular, distraídos. Ela conclamou todos os participantes a se rebelarem contra isso e a retomarem a prática de atenção total, sob pena de estarmos construindo uma sociedade cada vez mais solitária e desagregada.
No dia em que este artigo foi escrito, Joe Biden salvou o Vale do Silício prometendo cobrir o colapso bancário dos últimos dias. Se essa promessa será suficiente para evitar colapsos maiores, os próximos dias irão dizer. Uma coisa é certa: Biden salvou ao menos a festa do SXSW.