segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Creed 3 traz boas lutas, mas repete moralismo americano

A série “Creed” não é sobre boxe. Nunca foi. Nem mesmo sobre vencer. É sobre como tornar-se um homem.

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Daí nos dois primeiros filmes da franquia Rocky Balboa encher a cabeça do jovem Adonis Creed de bons conselhos.

Rocky era o pai substituto de Adonis, já que o verdadeiro pai, outro lutador famoso, morreu antes que o menino tivesse nascido.

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Bem, chegamos a “Creed 3”. Rocky sumiu do mapa; Adonis, vivido por Michael B. Jordan, encerrou a carreira, vive entre ternos, uísques e uma mansão em Los Angeles. Não abandonou as lutas de todo, continua como empresário, ou dono de academia, ou ambos. O fato é que a vida de luxo e riqueza o amoleceu.

É então que seu passado sombrio da infância num orfanato retorna, na pessoa de Damian, ou Dame, vivido por Jonathan Majors. Na juventude, Dame era quem aspirava a uma carreira como lutador e também quem protegia o jovem Adonis. Mas aí ele ficou preso durante 18 anos.

Reaparece como amigo, mas não tão amigo assim. Dame carrega todo o ressentimento do mundo e, pior, resolve. Ele quer retomar a carreira de boxeador de onde parou, quer dizer, do quase nada, e disputar um título mundial. Abre-se, em suma, a clicheria da “velha amizade”.

É graças ao ressentido amigo de sua adolescência que Creed descobre ter em seu passado algo tenebroso, com o que precisa se entender de uma vez por todas. Apesar dos seus milhões ele não vai resolver seus problemas num divã de psicanalista.

Não é assim que sua mãe —e nova conselheira— não vai ajudá-lo, por mais de um motivo —entre eles o fato de morrer a horas tantas. A mulher tampouco lhe serve nessa hora.

Adonis Creed descobre então que, apesar de toda luta, de todos os conselhos que recebeu, ainda não se conhece. Ainda não enfrentou o pior inimigo, seu passado. Para isso terá de deixar a boa vida e o oba-oba de ex-campeão e voltar à luta.

Como se vê, “Creed 3” é um conto moral à maneira de mais ou menos todo o cinema clássico estadunidense. Não por acaso, aliás, num momento de alívio ele vai urrar, sozinho. No plano seguinte vemos que está diante do célebre letreiro alusivo a Hollywood. Nada muito original.

O que dizer a seu favor? As cenas de luta estão bem. Só lhes falta a tensão emocional dos bons filmes em que o boxe é o sujeito —como “Menina de Ouro”, de Clint Eastwood, em que as sequências de luta são, por sinal, meio sumárias. Jonathan Majors é um ótimo tipo para fazer o forçudo e por vezes assustador Damian.

Por fim, B. Jordan tem o bom-senso de não transformar “Creed 3” em uma parábola da Guerra Fria 2.0 que ora opõe EUA à Rússia (e à China), como Sylvester Stallone fez com seu “Rocky 3” e a Guerra Fria original. Vale dizer que, tirando o pessoal do Pentágono, ninguém mais aguenta esse papo.

Se Rocky era um lutador, como dizia o título do filme original, Adonis Creed é um sobrevivente, alguém que só pode existir plenamente se superar os inúmeros obstáculos que surgem à sua frente ou, como no caso deste terceiro exemplar, aparecem atrás de si, irrompendo do passado.

Esse novo “gentleman” do ringue parece que, pela idade, terá enfim sossegado o espírito e poderá desfrutar da boa vida. Se Deus quiser será assim. Mas, atenção: sua jovem filha já está apaixonada pelos socos, pela briga, pelo ringue.

Nada impede que um “Creed 4” venha a ser também um filme no feminino. E então começa tudo outra vez.

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