A luta das mulheres por equidade e respeito na sociedade data de séculos atrás. Desde as bruxas perseguidas na idade média, até as sufragistas que foram às ruas para conquistar o direito ao voto, é impossível separar os períodos importantes da humanidade das conquistas feministas que acompanharam o passar dos anos (NOSSA CAUSA, 2020).
Dentre as vertentes do Movimento Feminista, existe aquele que foca nas especificidades próprias das mulheres negras, denominado de Feminismo Negro. No Brasil, essa vertente teve início propriamente na década de 1970 com o Movimento de Mulheres Negras (MMN), a partir da percepção de que faltava uma abordagem conjunta das pautas de gênero e raça pelos movimentos sociais da época (DA SILVA, 2019).
As pautas do Movimento de Mulheres Negras, segundo Da Silva (2019), se caracterizam por cinco temas fundamentais, os quais são:
- Legado de uma história de luta;
- Natureza interligada de gênero, raça e classe;
- Combate aos estereótipos ou imagem de controle;
- Atuação como mães, professoras e líderes comunitárias;
- Política sexual.
Segundo Gonzalez (1983), a população do Brasil é majoritariamente negra, mas não se debate racismo de forma efetiva, acreditando-se no mito da democracia racial, da ausência do racismo, existindo apenas nos países Estados Unidos e África do Sul, por exemplo, porque nestes constam na Constituição.
A autora contrapõe que na Universidade de São Paulo (USP),a cor das pessoas que trabalham com a limpeza diverge muito com as que são docentes. Mediante os fatos apresentados, no Brasil, existe uma segregação de raças muito marcada. Porém, a falta da discussão efetiva do racismo deve-se ao mito da harmonia das raças, onde o brasileiro tem a vantagem de pertencer a um país miscigenado.
Vale ressaltar que parte dessa miscigenação foi fruto do estupro de mulheres negras e indígenas. Segundo Gonzalez (1983) “[…]querem louvar muito as pontes que existem, mas não querem falar dos muros que nos separam. E isso está muito por conta dessa dificuldade de ver o Brasil como um país racista”.
Racismo? No Brasil? Quem foi que disse? Isso é coisa de americano. Aqui não tem diferença porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a Deus. Preto aqui é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem. Tanto é que, quando se esforça, ele sobe na vida como qualquer um.
Conheço um que é médico; educadíssimo, culto, elegante e com umas feições tão finas… Nem parece preto (GONZALEZ, 1983).Um marco para a desmistificação da teoria democracia racial foi a Constituição Federal de 1988,que qualifica o racismo como crime, onde confirma-se a existência do racismo e a desigualdade entre pessoas brancas e negras. Caso inexistisse o racismo, como a legislação brasileira elaborar meios para combatê-lo? (SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO CEARÁ, 2020).
Segundo Rocha (2023) uma pesquisa feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), divulgado no dia 12/06/2023, mostrou que 84,5% dos brasileiros e brasileiras têm algum tipo de preconceito contra as mulheres, como a desconfiança na capacidade de trabalho, na atuação política e até mesmo relativizam a violência física.
No Brasil, apresentou-se os seguintes dados: Violência íntima ou direito de ter filhos ou não: 75,56% dos homens têm esse preconceito no Brasil, e 75,79% das mulheres também têm; Política e direitos: 39,91% das pessoas acreditam que mulheres não são tão boas políticas como os homens ao desempenharem a função. Além disso, também acreditam que as mulheres possuem menos direitos do que os homens; Educação: 9,59% acreditam que a universidade é mais importante para homem do que para a mulher (ROCHA, 2023).
Em pleno século XXI, ainda temos este pensamento arcaico, discriminatório, estudos apontam que demoraremos no mínimo umas três gerações ainda para vencermos o patriarcado. Na política temos como exemplos as deputadas Sâmia Bonfim (PSOL-SP), que teve o microfone cortado por diversas vezes, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST; a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), que segundo os bolsonaristas, teria ofendido o deputado Ricardo Salles (PL-SP), ao acusar o ex-ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro (PL), de ter falsificado mapas e o de ter vínculos com o garimpo e o comércio de madeira ilegal e, por fim, o Conselho de Ética vai investigar acusação sobre a deputada Juliana Cardoso (PT-SP),que teria chamado os apoiadores do projeto de lei do marco temporal das terras indígenas de “assassinos do nosso povo indígena”, durante a sessão de votação da urgência do projeto.
Segundo Carneiro (2003), as mulheres negras tiveram uma experiência histórica diferenciada que o discurso clássico sobre a opressão da mulher, assim como não tem dado conta da diferença qualitativa que o efeito da opressão sofrida teve e ainda tem na identidade feminina das mulheres negras.
Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis.
Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar!
Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem,a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. São suficientemente conhecidas as condições históricas nas Américas que construíram a relação de coisificação dos negros em geral e das mulheres negras em particular.
Sabemos, também, que em todo esse contexto de conquista e dominação, a apropriação social das mulheres do grupo derrotado é um dos momentos emblemáticos de afirmação de superioridade do vencedor. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação.
Quando falamos em romper com o mito da rainha do lar, da musa idolatrada dos poetas, é porque mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher branca.
Quando falamos em garantir as mesmas oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, temos que ressaltar também que, fazemos parte de um contingente de mulheres para as quais os anúncios de emprego destacam a frase: “Exige-se boa aparência” e isso quer dizer branca de cabelos lisos e traços finos de europeia (CARNEIRO, 2003). Como escreveu Gonzalez (2020)“(…) a gente nasce preta, mulata, parda, marrom, roxinha etc. Mas tornar-se mulher negra é uma conquista”.