Daron Acemoglu (Istambul, Turquia, 1967) ganhou o Prêmio Nobel de Economia junto com seu colega do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Simon Johnson e James Robinson, da Universidade de Chicago. A premiação reconhece seus estudos sobre por que algumas nações são mais ricas que outras.
Ele conversa com EL PAÍS através do aplicativo Zoom e afirma que um Poder Judiciário independente e os direitos de propriedade bem aplicados são essenciais para o progresso.
Além disso, defende que os eventos que ocorreram séculos atrás ainda afetam os resultados econômicos atuais. Acemoglu é um dos nove professores universitários do MIT, a classificação mais alta que pode ser concedida a um membro do corpo docente. Sua posição econômica é clara: as instituições “inclusivas promovem o bem-estar” e as “extrativas, que concentram o poder e os recursos em poucas mãos, levam ao estancamento econômico”. Seu prêmio era um dos previstos.
Talvez não tanto por suas descobertas, mas pela coragem de enfrentar algumas das perguntas mais importantes de sua disciplina. Segundo o Research Papers in Economics — uma espécie de grande biblioteca desta ciência —, ele é o terceiro economista mais citado do mundo.
Pergunta: Você é coautor de um dos maiores best sellers econômicos do nosso tempo: Por que fracassam os países (Deusto). O livro foi publicado há uma década, em 2013. O que você mudaria?
Resposta: A verdade é que foi escrito em 2010. Já se passaram quase 15 anos. O mundo mudou. Mas a mensagem essencial do livro não mudou. Vimos outros especialistas fazendo adições. Em O corredor estreito, aprofundamos na capacidade do Estado, em temas culturais, e também discutimos em detalhes por que as democracias atuais continuam fracassando. Em 2023, incorporamos a tecnologia, a mudança tecnológica e a direção que estava tomando, e analisamos por que muitas tecnologias ameaçam as instituições e a prosperidade.
P. Em seu artigo de 2019 Democracy Does Cause Growth (a democracia produz crescimento), você e seus co-autores apontaram que o crescimento estava associado a instituições democráticas. Que mecanismo está por trás disso?
R. Existem vários. Decisões diferentes funcionam de maneiras distintas. Mas os dados gerais são muito claros: a democracia gasta mais em formação e saúde. Este sistema está investindo mais na educação dos trabalhadores e na saúde deles. Também ajuda a eliminar distorções como os monopólios, que geralmente estão associados a regimes ditatoriais ou juntas [usa o espanhol]. Esses são os mecanismos que levam as democracias a obterem melhores resultados.
P. Uma das bases do seu pensamento é que a independência judicial está ligada à prosperidade econômica. Na Espanha, essa situação está em dúvida há anos. Como isso afeta o crescimento econômico?
R. As instituições legais são muito importantes. Pequenos problemas no sistema podem miná-las. Quando a Justiça perde sua independência e se torna um instrumento político, como na China, surgem consequências graves. Para mim, a maior ameaça é o momento em que o sistema judiciário se transforma em uma ferramenta nas mãos do Poder Executivo. Por exemplo, isso é uma ameaça real em Israel. O ataque de 7 de outubro de 2023 [ataque do Hamas a Israel] mudou a situação e as prioridades. Mas eu acredito que as reformas de seu primeiro-ministro, Benjamim Netanyahu, colocavam em risco a independência judicial.
P. Em seu livro de 2023, Power and Progress (Poder e Progresso, Deusto), você escreve que a inteligência artificial (IA) pode enfraquecer a democracia.
R. Existem dois aspectos da IA que me preocupam. Em primeiro lugar, o efeito nas instituições em geral, incluindo as democracias. A inteligência artificial é a compilação de outras tecnologias digitais, e isso aumenta a desigualdade. Uma maior inequidade dificulta a democracia, aumenta a tensão social e a polarização. Vemos isso nos países industrializados. Mas a IA também muda a forma como nos comunicamos. Grupos estão sendo formados na sociedade civil com o objetivo de obstruir a ação política.
P. IA, ChatGPT, computação quântica. A humanidade perdeu seu rumo?
R. Eu não diria que perdemos nosso rumo, ainda. Porque todas as tecnologias que você mencionou, se forem desenvolvidas de forma apropriada, podem se transformar em ferramentas nas mãos da humanidade. A IA poderia ajudar as pessoas a realizarem melhor suas tarefas. Mas se permitirmos que ChatGPT ou a IA sejam controladas por algumas poucas empresas de tecnologia e se tornem os mestres do conhecimento e silenciem os trabalhadores, então, de fato, teremos perdido o rumo.
P. A renda média nunca foi tão alta no Ocidente quanto hoje. Devemos nos perguntar de onde vem toda essa riqueza?
R. Para mim, essa não é a pergunta correta. É outra. A humanidade teve um crescimento espetacular nas últimas décadas. Por que não cresceu muito mais? Hoje, as nações pobres têm um quinto do PIB da Espanha ou dos Estados Unidos. Por que possuem tão poucos recursos? Por que não cresceram? Fracasso político, fracasso de mercado, fracasso econômico. Mesmo no mundo industrializado. Se você analisar, por exemplo, as patentes, seu número é maior do que nunca, mas a produtividade é mais baixa do que antes. Há uma falha: deveríamos crescer mais rápido. Com certeza, respeitando os recursos naturais e o meio ambiente. Isso é possível, mas não é o que estamos fazendo agora.
P. As grandes empresas de tecnologia alimentaram a desigualdade?
R. Certamente temos uma crise global de desigualdade. Nos Estados Unidos, há muitos bilionários e o salário real dos trabalhadores caiu. Existe uma enorme fissura se compararmos a parte superior e a inferior. As empresas de tecnologia têm a capacidade de aumentar a distância entre o mundo rico e o pobre. Mas não acredito que isso sempre tenha que ser assim. As novas tecnologias, incluindo as digitais, podem ser um motor de crescimento na Indonésia, Índia, Vietnam, Turquia, México. Poderiam ajudar a fechar a distância entre o norte global e o sul global. Mas para isso precisamos que se dirijam a aumentar a produtividade, a diversidade e a elevação do conhecimento dos trabalhadores nessas nações. Devem ser ferramentas em suas mãos.
P. “Repensar o capitalismo”. Esta é uma das frases que marca a nossa era.
R. Capitalismo é um termo que não uso porque significa coisas muito diferentes, dependendo da pessoa com quem você fala. O capitalismo dos Estados Unidos é bastante distinto do da Suécia. No que concordo é na necessidade de repensar o mercado. Qualquer sistema que siga os padrões da Coreia do Norte ou da antiga União Soviética vai fracassar miseravelmente. Mas precisamos repensá-lo porque o mercado sem a regulação apropriada também não funciona. Para mim, expressões melhores seriam: “Repensar a economia de mercado” ou “repensar o futuro da prosperidade”.