Locais estranhos da internet estão repletos de conversas sobre dispositivos milagrosos que podem curar quase qualquer doença que se possa imaginar, usando o poder da energia mística. Existem empresas que cobram milhares de dólares por essas “MedBeds” (abreviação para camas medicinais, em tradução livre), mas sua eficácia está longe de ser comprovada.
Um hotel adaptado em uma pequena cidade às margens do rio Mississippi, nos Estados Unidos, parece um local improvável para abrigar uma tecnologia revolucionária, que um folheto no lobby quase deserto chama de “nova onda de cura científica“.
Mas, desde o meio de 2022, este prédio em East Dubuque, no Estado americano de Illinois (três horas a oeste de Chicago), recebeu dispositivos médicos que supostamente fornecem “energia de força vital” aos seus pacientes. É um dos diversos locais operados pela Tesla BioHealing espalhados pelos Estados Unidos (a empresa não tem relação com o famoso fabricante de automóveis).
Eu experimentei recentemente uma MedBed em uma tarde cinzenta durante a semana. Depois de ser recebido na portaria, uma médica examinou meus níveis de energia, pedindo que eu colocasse meus dedos dentro de uma caixa de metal.
Fui conduzido em seguida para um dos quartos, quase igual aos tempos em que o prédio era um hotel, e aguardei que a “energia de força vital na forma de biofótons puros” fluísse para dentro do meu corpo.
Teorias conspiratórias
A ideia das MedBeds é cada vez mais popular nos canais médicos alternativos, nas principais redes sociais e nos aplicativos de bate-papo. Mas as pessoas têm ideias muito diferentes sobre o que elas realmente são.
Alguns embarcam em teorias conspiratórias dizendo que a tecnologia é secreta e dificilmente será encontrada por meros mortais, além de ter sido escondida do público por bilionários e pelo “estado paralelo” (deep state).
As especulações ainda mais estapafúrdias incluem detalhes que incluem “tecnologia alienígena” e a ideia de que o ex-presidente americano John F. Kennedy ainda estaria vivo amarrado a uma MedBed.
Outra via de pensamento, com os pés mais centrados na realidade, defende que as MedBeds são reais e disponíveis ao público, mas apenas não fazem parte da aparelhagem médica comum. O que não significa que sejam validadas pela ciência.
Mas é esta a linha que a Tesla BioHealing e diversas outras empresas estão apostando, com seus produtos de alto custo. A Tesla BioHealing oferece geradores domésticos por preços de até US$ 19.999 (cerca de R$ 105,8 mil), embora uma hora em um dos seus quartos de hotel com MedBeds custe US$ 160 (cerca de R$ 845).
Mesmo no mundo das MedBeds voltado aos consumidores, onde não se fala de alienígenas ou JFK, não há consenso sobre o que seja, na verdade, uma MedBed.
Existe uma boa razão para isso, segundo Sara Aniano, analista de desinformação do Centro sobre Extremismo da ONG Liga Antidifamação.
“É muito difícil definir algo que não existe”, afirma ela.
As letras pequenas nos avisos
Aniano vem pesquisando o aumento das conversas sobre as MedBeds online e, como parte das suas pesquisas, inscreveu-se para um exame com outra companhia de MedBeds, a 90.10.
“O exame não é nada”, afirma a analista. “Ele diz para você deitar na sua cama e pensar com muita força sobre a MedBed.”
“Em sua defesa, eles infomam, em letras muito pequenas no final do seu website, que a MedBed não se destina a tratar nem diagnosticar doenças”, segundo Aniano.
É uma declaração comum usada de alguma forma por quase todas as empresas que oferecem produtos relacionados à MedBed.
Elas apresentam longas listas de problemas de saúde que a sua tecnologia supostamente pode ajudar a tratar e fornecem testemunhos de clientes satisfeitos, mas afirmam que seus produtos não se destinam a substituir os tratamentos prescritos por médicos qualificados.
A Tesla BioHealing não é exceção. A empresa afirma claramente no alto do seu website: “Não podemos diagnosticar, tratar, curar nem evitar nenhuma doença ou condição”.
Ainda assim, seu material promocional indica: “Muitas pessoas observam melhorias no seu bem-estar, mesmo depois de uma hora de repouso em uma MedBed da Tesla”. Eles também apresentam uma série de argumentos concretos e não confirmados sobre doenças específicas.
O que é e quais são os efeitos?
Os funcionários do hotel da Tesla BioHealing em East Dubuque contaram sobre inúmeros clientes com todo tipo de doenças, todos ajudados pelas MedBeds, segundo eles.
Mas, no meu quarto, não senti nada além de curiosidade e um leve desconforto enquanto olhava pela janela para um estacionamento quase vazio.
Não cheguei a completar a minha hora e fui até a sala da médica, onde ela repetiu o teste com meus dedos na caixa de metal. E, claro, a minha energia, medida pelo laptop da médica, já estava aumentando.
No meu quarto, recipientes metálicos da Tesla MedBed estavam vedados em caixas de madeira e uma mesa de cabeceira. Mas nem a médica, nem nenhuma outra pessoa da Tesla BioHealing, conseguiu me dizer o que havia dentro das latas da MedBed.
Alguns clientes obstinados tentaram descobrir por si próprios. Encontramos um vídeo no TikTok com uma consumidora preocupada que aparentemente abriu uma das latas e encontrou apenas uma substância que parecia concreto.
“Se você estiver pensando em comprar um desses biocuradores da Tesla, não desperdice seu dinheiro”, afirma ela.
A empresa não informa quais são os possíveis ingredientes ativos incluídos dentro das latas. Mas eles disseram por e-mail: “Existe muito mais acontecendo com a nossa tecnologia do que a vista alcança”.
E, embora eles afirmassem que os geradores Tesla não se destinam a substituir cuidados médicos, eles também apresentaram novos argumentos sobre curas e afirmaram: “Os benefícios à saúde não têm preço”.
A Tesla BioHealing e a 90.10 nos indicaram milhares de testemunhos positivos de clientes. E, apesar da afirmação em destaque no website da companhia, de que a 90.10 oferece “medicina por frequências quânticas com provas científicas”, o executivo-chefe da 90.10, Oliver Schalke, afirmou que “não é um produto médico e nunca pretendeu ser”.
Como, então, as companhias de MedBeds estão autorizadas a oferecer seus produtos, que indicam efeitos milagrosos, escapando de todas as supervisões dos órgãos reguladores?
O psiquiatra aposentado Steven Barrett vem investigando argumentos questionáveis no setor de saúde há décadas. Segundo ele, parte da culpa é do órgão regulador de produtos médicos dos Estados Unidos, a FDA, equivalente à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil.
“O registro na FDA é solicitado por qualquer fabricante que deseje vender produtos, mas ele significa apenas que você notificou à FDA que você existe”, afirma ele.
A Tesla BioHealing e outras empresas anunciam que são registradas na FDA, mas isso quer dizer muito pouca coisa.
“O registro na FDA não diz nada sobre a utilidade ou não de um aparelho”, afirma Barrett.
Quando o assunto são as afirmações vagas sobre bem estar geral ou indicações sem comprovação sobre aumento da energia, as autoridades “não fazem quase nada a respeito”, segundo ele.
Barrett fala com um tom de desânimo, talvez por falta dos “biofótons” das MedBeds. Mas o mais provável é que seja o resultado de passar décadas a fio acompanhando afirmações duvidosas sobre tratamentos de saúde.
“Se eu acho que a exposição ao que quer que seja que estão dando para você na cama está fazendo você ter mais energia? Tenho sérias dúvidas quanto a isso”, afirma ele.
De fato, quando comecei a dirigir na longa noite de volta de East Dubuque para casa sob o céu nublado, claramente notei uma redução da minha energia de força vital.
*Com reportagem de Elizabeth Hotson e Shayan Sardarizadeh.