É evidente que, na comparação com os demais municípios do estado, em especial os do interior, Vitória, até por ser a capital, está melhor estruturada. Aliás, essa afirmativa só se sustenta se considerarmos a Região Metropolitana como um todo.
Portanto, essa região, que concentra a metade da população do estado, dispõe de uma rede de serviços maior, com mais escolas e hospitais, por exemplo, do que no restante do território capixaba.
Com relação ao saneamento básico, existe uma leve diferença. Enquanto nas demais cidades a água tratada chega a 81% da população, em Vitória o percentual é de 93%. Mas, mesmo assim, cerca de 23 mil moradores da capital do Espírito Santo não têm acesso à água tratada.
Quando falamos de coleta de esgoto, o número mais que triplica. São 70 mil habitantes cujas residências não têm ligação com a rede de tratamento. E não é um problema restrito às comunidades ditas periféricas. Até 8 meses atrás, a PMV notificou 30 moradores das ilhas do Boi e do Frade, que insistiam em não interligar as casas à rede coletora.
No campo das estatísticas, é possível, dependendo do ponto de vista que se queira alcançar, fazer uso dos dados a favor ou contra uma determinada posição. Não estou aqui computando por completo a essa administração as carências que ainda persistem no abastecimento de água tratada e na coleta e tratamento do esgoto domiciliar de Vitória.
Afinal, pelo menos há duas décadas nós estamos ouvindo autoridades municipais, estaduais e também nacionais prometerem soluções definitivas, enquanto que na prática as ações efetivas vêm a conta-gotas.
Mas é importante dizer que a falta de articulação do atual prefeito com o Governo do Estado atrasou ainda mais esse processo. Basta ver a obra que o Estado realiza em Vila Velha, na Lindenberg, uma obra de macrodrenagem, para saber o quanto é importante essa relação institucional, dentro de uma visão do bem comum, independentemente das diferenças que possam haver no campo ideológico.
Mas, voltando ao nosso tema…
Vitória, ou melhor, a Grande Vitória, é abastecida por dois rios, o Santa Maria da Vitória, que vem lá de Santa Leopoldina, e o rio Jucu, que nasce na Serra do Castelo, no distrito de Pedra Azul, em Domingos Martins, e desce até a foz em Vila Velha.
Mais do que avançar na captação e distribuição da água para a totalidade da população de Vitória, e também dos municípios que compõem a Região Metropolitana, é importante garantir a qualidade desses recursos hídricos.
Temos nos dois rios que abastecem Vitória e a região aspectos que influenciam para a poluição da água, por parte do uso de agrotóxicos nas lavouras, a falta de investimentos em redes coletoras e estações de tratamento do esgoto domiciliar e industrial às margens do Santa Maria e do Jucu, e ainda, a falta de conscientização de parte da população, que continua despejando resíduos, em especial material plástico, nos mananciais.
A agricultura segue como a grande usuária de água no planeta, no Brasil e aqui no estado.
Pelo levantamento da Organização das Nações Unidas para a Agricultura, em média 70% das fontes de água disponíveis são utilizadas para a irrigação das lavouras, pecuária e demais atividades agrícolas. Outros 22% são consumidos pela indústria, e 8% são de consumo residencial. Os números podem variar um pouco de acordo com a região.
Em contrapartida, as interferências humanas na natureza afetam o equilíbrio na distribuição de chuvas. As mudanças climáticas fizeram os episódios de chuva intensa e estiagem se tornarem mais severos, e em intervalos de tempo cada vez menor. Vimos isso no Espírito Santo, em 2013, com precipitações pluviométricas acima da normalidade, e nos dois anos seguintes ausência de chuva.
No final de 2015, novamente, a chuva bateu recorde, e nos anos seguintes a escassez hídrica provocou uma queda de 40% na produção cafeeira. E, em todas as vezes em que chove demais, as enxurradas, deslizamentos de terra e inundações causam enormes danos à população.
A situação se agrava pela falta de estrutura para retenção da água. Há 20 anos se fala em construção de barragens, mas ainda hoje o Espírito Santo não é capaz de garantir reserva hídrica para os anos de estiagem. O estado é pobre em recursos hídricos e necessita de mais empenho para superar esses ciclos, ambos danosos. Os projetos de incentivo aos produtores rurais que garantem a preservação de nascentes seguem ainda muito tímidos, assim como a política de reflorestamento.
A especulação imobiliária na zona rural é outro fator de desequilíbrio ambiental que ao fim e ao cabo contribui para a escassez hídrica. Na região de montanhas, especialmente em Domingos Martins e Santa Teresa, há conflitos ambientais devido à sanha imobiliária, que desmata para construir condomínios fechados, e ainda fazendo propaganda de morar integrado à natureza.
Na minha opinião, e essa também é a posição do Psol, melhorar a qualidade da água exige uma série de ações que devem ser coordenadas pelo Estado. Quando falo Estado, me refiro ao Poder Público. Nesse aspecto, é uma coordenação nacional, um plano integrado com os Estados e os Municípios, com investimentos públicos e a efetiva participação das entidades da sociedade civil, na busca por mais eficiência e resolutividade.
Infelizmente, aqui no Brasil, e no Espírito Santo não é diferente, a aposta é na transferência dessa responsabilidade para a iniciativa privada. As obras de saneamento, que no jargão popular “não dão voto” porque “estão enterradas”, ou seja, são investimentos que não ficam visíveis à população, acabaram historicamente ficando relegadas ao segundo plano.
Aliás, foram relegadas a plano nenhum, visto que somente de 20 anos para cá o tema Saneamento Básico passou a ser tratado com a importância que merece. E, mesmo assim, muito pouco foi feito. E o que está sendo feito, repito, infelizmente, não contempla a visão política da função social do Estado. Está aí o Marco Regulatório do Saneamento, que revela a visão míope de que a iniciativa privada dará conta de solucionar esse imenso problema.
Não vai. Aqui no Espírito Santo mesmo temos exemplo, na Serra, de como a iniciativa privada não é a panaceia que se apregoa. Diversas comunidades sofrem com a deficiência da prestação do serviço feito no modelo de Parceria Público Privada.
Em Portugal, onde o serviço foi privatizado, em poucos anos os problemas foram ficando evidentes, a ponto de hoje diversos municípios já terem devolvido a gestão para o Poder Público.
Ao todo, 308 cidades aproveitaram o término dos contratos de concessão de saneamento básico e fornecimento de água potável para reestatizar os serviços. Apenas 5 cidades portuguesas continuam com as operações privatizadas.
Um caso exemplar é o de Setúbal, onde, se permanecesse sob a gestão privada, a conta do serviço à população teria sido elevada em 60%. Ao voltar para as mãos da prefeitura local, houve uma queda de 10% no custo. A volta da gestão para a administração pública foi promovida pela Câmara de Setúbal.
É importante pensarmos que modelo de gestão da água nós queremos deixar como legado para as gerações futuras. Um modelo que visa o lucro das empresas, ou um que tenha como objetivo principal garantir a qualidade da água e o acesso a ela pela nossa população. Essa é a reflexão que deixo nessa semana em que se comemora o Dia Mundial da Água.