Embora sejam frequentemente referidos como “a maior democracia do mundo”, os Estados Unidos (EUA) não realizam a eleição de seu presidente por meio do voto direto. Muitas vezes, o vencedor não é o candidato que obtém a maioria dos votos, uma realidade que pode ser difícil de entender para os brasileiros, que durante os anos 80 lutaram pela democratização com o lema “Diretas Já”.
Roberto Goulart Menezes, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os EUA (Ineu), ressalta que a democracia vai além das eleições diretas. “Não são apenas as eleições diretas que definem uma democracia. Ela também inclui instituições como o Judiciário e os direitos fundamentais, como liberdade de expressão e o direito ao voto, mesmo que de forma indireta. O problema maior é que o sistema eleitoral dos EUA é excludente e repleto de vícios. Por exemplo, não há um órgão centralizador do processo, como o nosso Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, explica à Agência Brasil.
Virgílio Caixeta Arraes, professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), complementa que a escolha indireta para a presidência foi criada para evitar candidaturas demagógicas ou populistas. “Na época, acreditava-se que os delegados teriam mais experiência e amadurecimento político do que o eleitorado em geral”, diz Arraes.
As disparidades entre os processos eleitorais no Brasil e nos EUA têm raízes nas respectivas constituições. A constituição americana é mais simplificada e delega muitas leis a normas locais, conferindo aos estados maior autonomia e responsabilidade. Assim, tipificações criminais e penas variam de acordo com a legislação estadual.
Menezes destaca que as eleições presidenciais nos EUA são organizadas pelos governos estaduais, o que gera complicações que não ocorrem em um sistema centralizado como o brasileiro. “Na Geórgia, por exemplo, uma lei local restringe o direito ao voto de pessoas com três ou mais condenações, afetando desproporcionalmente a população negra e latina”, afirma.
No próximo dia 5, os eleitores não votarão diretamente em Kamala Harris, do Partido Democrata, ou Donald Trump, do Partido Republicano. Em vez disso, eles escolherão delegados que votarão nos candidatos. O colégio eleitoral é composto por 538 delegados, e o número por estado é proporcional à sua população. A Califórnia, com 55 delegados em 2016, terá 54 em 2024, enquanto Texas e Flórida têm 40 e 30 delegados, respectivamente.
A maioria dos estados, exceto Maine e Nebraska, utiliza o sistema “the winner takes all”, no qual o vencedor leva todos os votos dos delegados do estado. Isso significa que um candidato pode ser eleito mesmo recebendo menos votos populares, como ocorreu em 2016, quando Trump ganhou com quase 3 milhões de votos a menos que Hillary Clinton.
Os “swing states”, ou estados pêndulo, onde as intenções de voto são mais equilibradas, são especialmente visados pelas campanhas eleitorais. Os principais incluem Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin. Nessas regiões, os candidatos também podem focar em Maine e Nebraska, que não seguem o modelo “winner takes all”.
A manipulação dos distritos eleitorais, conhecida como gerrymandering, é uma estratégia que pode favorecer um partido ao definir como os votos são contabilizados. “Esse desenho é frequentemente influenciado por interesses políticos, não seguindo uma lógica justa”, explica Menezes.
Outro aspecto peculiar do sistema eleitoral americano é a possibilidade de voto antecipado, que busca evitar filas e tumultos no dia da eleição. Quase 50 milhões de eleitores já optaram por essa modalidade para o pleito atual. No entanto, Goulart Menezes aponta que o ex-presidente Trump tem usado essa situação para disseminar desinformação, alegando que o voto pelo correio permite fraudes, embora isso não seja verdade.
A escolha dos candidatos nos EUA ocorre por meio de prévias eleitorais, um processo que se estende por vários meses. Apenas os partidos democrata e republicano têm recursos suficientes para concluir esse processo de forma viável. A autonomia dos estados em definir suas leis eleitorais pode resultar em atrasos na divulgação dos resultados. Em 2000, a contagem dos votos na Flórida levou mais de um mês, enquanto em 2008 Barack Obama foi declarado presidente ainda no dia da votação devido à sua ampla vantagem.
Esses aspectos tornam o sistema eleitoral dos EUA complexo e, em muitos casos, controverso, refletindo as nuances e os desafios da democracia americana.