Um cenário alarmante emerge das escolas brasileiras, evidenciando um aumento drástico nos casos de violence no ambiente educacional. Dados recentes compilados pela Fapesp, com base em informações do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), revelam que o número de atendimentos a vítimas de violências diversas no contexto escolar mais que triplicou na última década, alcançando seu ápice em 2023. Naquele ano, foram registrados 13,1 mil atendimentos em serviços de saúde públicos e privados relacionados a automutilação, tentativas de suicídio ou ataques psicológicos e físicos no ambiente educacional. Em 2013, este número era de 3,7 mil. Este crescimento pontua um desafio urgente e complexo para toda a comunidade escolar e para a formulação de políticas públicas eficazes.
A análise detalhada dos casos notificados em 2023 aponta para a predominância da agressão física, que correspondeu a 50% das ocorrências. Em seguida, aparecem a violence psicológica/moral (23,8%) e a violence sexual (23,1%). Um dado revelador é que em 35,9% das situações, o agressor era um amigo ou conhecido da vítima, sublinhando a complexidade das relações interpessoais no ambiente escolar.
O Ministério da Educação (MEC) classifica a violence escolar em quatro categorias principais, buscando abranger as diversas formas como esses comportamentos se manifestam e impactam a comunidade educacional: agressões extremas (como ataques premeditados e fatais), violence interpessoal (hostilidades e discriminação entre membros da comunidade), bullying (intimidações repetitivas) e episódios no entorno da escola (como tráfico e tiroteios).
Especialistas ouvidos pela Fapesp indicam uma série de fatores, muitos deles interligados, para explicar o acentuado aumento da violence entre 2022 e 2023. Entre os motivos apontados estão a desvalorização do professor na percepção social, a normalização de discursos de ódio, a precarização da infraestrutura escolar, a exposição dos alunos à violence doméstica, falhas nos processos de mediação de conflitos e o despreparo de algumas secretarias estaduais para lidar eficazmente com questões de misoginia e racismo. A melhoria nos processos de notificação pelos hospitais e o crescimento de “comunidades mórbidas virtuais” também são considerados fatores que contribuem para a visibilidade (e, em alguns casos, o incentivo) dessas ocorrências. Esses elementos configuram um panorama de múltiplos desafios e impactos educacionais que exigem abordagens integradas.
Diante deste cenário, a necessidade de ação é premente. Especialistas propõem alternativas e metodologias inovadoras focadas na prevenção e no enfrentamento da violence. A chave reside na implementação de políticas públicas contínuas, intersetoriais e integradas, que promovam parcerias estratégicas com as áreas da saúde, justiça e assistência social.
É fundamental ir além de projetos isolados e buscar uma transformação estrutural da cultura escolar, cultivando um ambiente que promova o respeito, a diversidade e a educação inclusiva. A gestão escolar deve espelhar essa diversidade, com representatividade racial e feminina, atuando proativamente na mediação de conflitos. Em casos graves, o acionamento dos Conselhos Tutelares, prática ainda incomum em alguns segmentos da educação, é visto como uma medida essencial para garantir a proteção das crianças e adolescentes envolvidos.
O enfrentamento da violence escolar exige um compromisso coletivo e a adoção de soluções baseadas em evidências e na colaboração entre diferentes setores da sociedade para garantir que as escolas brasileiras sejam verdadeiramente ambientes seguros e propícios ao aprendizado e ao desenvolvimento pleno de todos.