29 de maio de 2025
quinta-feira, 29 de maio de 2025

Analfabetismo funcional no Brasil: um retrato de estagnação e desafios pós-pandemia

O Brasil enfrenta uma preocupante estagnação no combate ao analfabetismo funcional, problema que impede cerca de 29% da população entre 15 e 64 anos de compreender e utilizar de forma eficaz habilidades básicas de leitura, escrita e matemática em situações cotidianas. Esse quadro foi evidenciado pelo mais recente levantamento do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), coordenado pela Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social, em parceria com organizações como Fundação Itaú, Unesco e Unicef. A pesquisa, divulgada hoje, traz à tona o impacto de fatores históricos e, mais recentemente, da pandemia de Covid-19 no nível de letramento dos brasileiros.

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Após anos de redução gradual no analfabetismo funcional desde o início da série histórica em 2001, a pandemia reverteu parte desse progresso. De 2018 a 2024, a porcentagem de jovens entre 15 e 29 anos classificados como analfabetos funcionais subiu de 14% para 16%. De acordo com a economista Ana Lima, coordenadora do estudo, esses dados foram surpreendentes e preocupantes: “Fenômenos desse tipo se movem muito lentamente; o freio provocado pela pandemia foi mais forte do que imaginávamos.”

Além da disrupção na educação formal, realizada principalmente por meio de aulas online e outros formatos improvisados, Lima avalia que espaços informais de letramento, como o trabalho, o comércio e atividades de lazer, também foram afetados. Isso contribuiu para o declínio no nível de letramento funcional, reforçando lacunas de aprendizagem.

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O analfabetismo funcional, segundo o levantamento, abrange pessoas que conseguem identificar palavras ou frases muito simples, mas não são capazes de interpretar textos mais longos, gráficos ou tabelas. Essa limitação contrasta com os níveis “elementar” e “consolidado” de alfabetismo. Enquanto no nível elementar o indivíduo pode localizar informações explícitas em textos breves, quem possui alfabetismo consolidado é capaz de compreender plenamente nuances, como ironias ou distinções entre fato e opinião.

O estudo também destaca preocupações relacionadas ao ensino médio e superior. Entre os estudantes do ensino médio, o percentual de analfabetos funcionais saltou de 14% em 2018 para 17% em 2024. Paralelamente, apenas 38% dos que passaram por essa etapa de ensino alcançaram os níveis mais altos de alfabetismo, número inferior aos 45% registrados na pesquisa anterior.

No ensino superior, a situação indica fragilidades acumuladas: apenas 61% dos universitários atingem um nível de alfabetismo consolidado, revelando um declínio em relação a 2018, quando o índice era de 71%. Como explica Ana Lima, “é no ensino superior que deságuam os problemas das etapas anteriores de educação, dificultando o aprendizado pleno e adequado.”

O levantamento também escancarou os impactos das desigualdades sociais e raciais no analfabetismo funcional. Entre indivíduos que se autodeclaram pretos ou pardos, apenas 31% alcançam os dois níveis mais altos de alfabetismo, contra 41% da população branca. Esses percentuais são inferiores aos índices registrados em 2018, reforçando as dificuldades de reduzir as disparidades estruturais na educação no Brasil.

A análise por faixa etária mostrou que, embora jovens entre 15 e 29 anos apresentem maior proporção de pessoas alfabetizadas (84%), os desafios se intensificam nas faixas mais avançadas. Entre pessoas de 50 a 64 anos, por exemplo, 51% são classificados como analfabetos funcionais, evidenciando as dificuldades em promover políticas de letramento efetivas para adultos.

Lima ressalta que o trabalho é um espaço frequentemente subestimado no processo de alfabetização funcional. “Pequenas ações, como divulgar cardápios com informações nutricionais no refeitório, podem ter um impacto significativo no letramento diário dos trabalhadores, sem grandes custos”, afirma.

Para enfrentar esse cenário, escolas e instituições de ensino superior vêm implementando estratégias como semestres introdutórios para resgatar as aprendizagens perdidas. No entanto, Lima alerta que não se pode delegar exclusivamente à educação formal a responsabilidade pela solução. Políticas públicas de inclusão e requalificação para adultos, bem como ações no mercado de trabalho e outros contextos sociais, são cruciais para avançar no combate ao analfabetismo funcional, especialmente em um país marcado por tantas desigualdades.

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