Apesar de minha família nunca ter tido uma tradição de viver intensamente o Carnaval — seja pelas festas de blocos ou sambas na rua —, minha paixão sempre esteve lá, desde criança, vendo os desfiles pela televisão. Ao longo dos anos, essa admiração cresceu até ganhar forma, quando desfilei duas vezes no Sambão do Povo, em Vitória: uma vez pela MUG, quando a escola foi campeã, e outra pela Piedade, minha comunidade tão amada, que um dia ainda verá sua escola conquistar o tão sonhado título. Apesar dessas experiências incríveis, ainda faltava viver o ápice do Carnaval brasileiro: assistir aos desfiles na icônica Marquês de Sapucaí.
E assim, foi no Carnaval de 2025 que realizei esse sonho. Tudo começou com a escolha do nosso hotel, um cantinho acolhedor localizado na Lapa, coração boêmio do Rio de Janeiro. Chegamos lá com o entusiasmo de marinheiros de primeira viagem e fizemos nossa primeira parada nos Arcos da Lapa, um local de grande importância histórica. Além do simbolismo político que o lugar carrega, nos envolvemos com os blocos e festas que ali aconteciam, uma experiência vibrante marcada pelo encontro de várias culturas, ritmos e sabores. Até mesmo, como é típico de Vitória, encontramos vizinhos da nossa cidade, o que já rendeu boas conversas e novas amizades antes mesmo de pisarmos no Sambódromo.
A preparação para os desfiles na Sapucaí foi um verdadeiro aprendizado de estratégia. Com ingresso comprado para um setor que não era tão próximo ao nosso hotel, tivemos que atravessar corredores e avenidas até chegar ao sambódromo. Ao pisar dentro daquele universo que parecia outro mundo, os desfiles começaram a preencher o ambiente com uma energia indescritível. A magia realmente se impôs assim que os fogos de abertura marcaram o início do espetáculo: baterias pulsantes, fantasias coloridas e aquela mistura entre a arte e as tradições que só o Carnaval proporciona.
Mas não posso deixar de compartilhar um detalhe sobre a arquibancada: ela é praticamente um lugar onde as pessoas acampam, levando almofadas, lanches, frutas, água e tudo o que precisa para encarar horas de desfile. Embora nossa bagagem tenha nos rendido cansaço no início, percebemos rapidamente o quanto essas estratégias de sobrevivência eram necessárias.
Dentre os momentos marcantes, um grande destaque foi a apresentação da Beija-Flor e da Imperatriz Leopoldinense no primeiro dia de desfile. Foi como se o coração da Sapucaí batesse mais alto: escolas coesas, sambas na ponta da língua e uma vibração que nos arrebatou. Até meu marido, que parecia já cansado pelas horas tão estendidas, acordou ao ver a Beija-Flor na avenida e mergulhou na experiência ao som do enredo.
No segundo dia de desfile, veio a conexão mais especial da viagem. Sentados numa arquibancada diferente, nos aproximamos de Virgínia, que se tornou figura emblemática para mim. Uma mulher nos seus cinquenta e poucos anos, carioca de alma, pertencente à Mocidade Independente de Padre Miguel. Durante o tempo que passamos na Sapucaí, Virgínia cantou e sambou sem intervalo, conhecendo cada samba-enredo como se fosse dela. Ao me aproximar e conversar com ela, aprendi tanto sobre sua relação com o Carnaval e com a importância das mulheres nas comunidades que sustentam as escolas de samba — eram as mulheres as costureiras, dançarinas, responsáveis por impulsionar seus filhos nesse universo.
Virgínia, para mim, foi a personificação da força feminina dentro das comunidades. Ela me inspirou profundamente, e sua dedicação ao respeito não apenas pela sua escola de coração, mas por todas as outras, deixou marcas que vou carregar para sempre.
Outro destaque do desfile foi Erika Hilton, em uma performance emocionante dentro do enredo da Paraíso do Tuiuti. Ao retratar a história da primeira mulher travesti do Brasil, que agora não me recordo o nome, a escola levantou debates sobre resistência e pautas sociais importantes, como a violência sofrida por mulheres trans e travestis. Foi um momento de beleza e de luta, que ajudou a ampliar a visibilidade para questões tão urgentes no país.
Por fim, o Carnaval como um todo foi uma experiência política e cultural fantástica, que transbordou ensino e reflexão. Muitas escolas traziam temáticas baseadas nas religiões de matriz africana, apresentando os orixás, seus ensinamentos e os ritmos ancestrais em um diálogo cheio de respeito e celebração.
Quando retornamos para casa na quarta-feira de cinzas, já sentia saudade da Sapucaí. Foi uma experiência que deixou saudades e, mesmo com os desafios do percurso, reforçou em mim o poder do Carnaval como espaço de resistência, tradição e alegria. Essa vivência ficará marcada, com certeza, como uma das mais transformadoras da minha vida. E Virgínia, assim como todas as mulheres que impulsionam o Carnaval, será sempre lembrada: a força feminina por trás de cada passo, cada batida, e cada canto que ecoa na Sapucaí.