quinta-feira, 17 de abril de 2025

Da nossa herança musical indígena

No dia 19 de abril celebramos o Dia dos Povos Indígenas. A ideia desta data, no entanto, não tem relação com o dia da chegada dos portugueses às nossas terras, 22 de abril. A proposta do dia 19 de abril foi feita em 1940 no Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México. Foi só em 1943 que, graças à intervenção do Marechal Rondon que o Brasil passou a incluir essa data em seu calendário comemorativo.

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No nosso dia a dia percebemos a influência dos povos indígenas em nomes de muitas cidades, bairros e de muitas pessoas que conhecemos. Neste texto vamos explorar um tema pouco tratado percebido por muitos brasileiros, o da contribuição dos povos originários à nossa música. Tratamos e percebemos com mais facilidade a contribuição dos povos africanos à música brasileira, mas pouco se fala quando o assunto é a influência indígena em nossa produção musical.

Sabe-se que os jesuítas logo perceberam na música uma forma efetiva de catequizar os povos que aqui habitavam. O encantamento dos indígenas pela música e pela dança foi percebido por Pero Vaz de Caminha que, em sua Carta do Descobrimento, escreveu o seguinte:  “E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço.”

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De 1555 a 1560, o missionário calvinista Jean Léry participou da tentativa de se estabelecer uma colônia francesa no Atlântico Sul, a França Antártica. Em 1557, Léry fez o registro de seis cantos dos índios tupinambás. Dentre os quais destacamos os seguintes: Canidé-iouue, canidé-iouue heura-oueh, canto de adoração à arara-canindé.

Canidê-ioune – Música carioca do século XVI (Recolhida em 1557)

Para estabelecer uma comunicação com os indígenas, os jesuítas usavam as danças e as melodias dos nativos e promoviam um intercâmbio no qual melodias indígenas eram cantadas com letras em latim e cantos gregorianos eram entoados em guarani. Nesse contexto começou a brotar, do século XVI ao XVII, a semente da música caipira.

Os Bandeirantes, filhos de mãe índia e pai português, abriam espaço no interior que seria, em seguida, ocupado por pequenos agricultores. Estes, por sua vez, foram aos poucos fundindo seu estilo de vida ao dos povos originários do nosso país. Foi assim que surgiu a cultura caipira com seus aspectos peculiares na culinária, na língua, nos costumes e valores, nas técnicas de trabalho, etc.

De acordo com Ivan Vilela, violeiro e estudioso da música caipira, a música que surge nesse contexto tem três características: a fala em dialeto, a nasalidade e o canto em dueto acompanhado de ritmos como o cururu e o cateretê, dança indígena incorporadas pelos jesuítas em festas religiosas. Entre 1563 e 1597, o cateretê foi incorporado nas festas de São Gonçalo, Santa Cruz, Espírito Santo, São João e Senhora da Conceição.

Apesar de as festividades serem católicas, a presença do indígena era evidente por meio do seu canto anasalado. Essa nasalidade foi tão marcante que influenciou o nosso jeito de cantar nos mais diversos estilos, desde a música caipira ao samba, como podemos ver nos vídeos abaixo.

https://youtu.be/2Niyrd6XWdg?si=UG66MnFrbdF1ysMb

Abandona o Preconceito – Bando da Lua

É importante ressaltar que a nasalidade refere-se à pronúncia das vogais acompanhadas de “m”, “n” ou acentuadas com o til. No canto lírico, por exemplo, a palavra coração seria pronunciada como coraçáo, evitando-se o seu som nasal.

Os nossos povos originários, entretanto, continuam a contribuir com sua musicalidade que viaja por vários estilos. O Arandu Arakuaa, por exemplo, é o primeiro grupo de heavy metal brasileiro a cantar em tupi-guarani. Os seus integrantes misturam o som pesado a instrumentos indígenas tradicionais e viola caipira.

Arandu Arakuaa – Hêwaka Waktû (Official Music Video) HD

Da mistura de música indígena e reggae surge a banda Sonissini Mavutsini. Formada por Weiler Jahmaika, Rodrigo Kaverna, Léo (Bernujha), Milca Fya Burning, Bruno (Bicudo) e Carmel IYA, a Sonissini Mavutsini interpreta músicas próprias compostas em Karibe e Tupi.

Câmara Ligada – Sonissini Mavutsni – Awalyulu

Djuena Tikuna é uma cantora, compositora e jornalista indígena da etnia Tikuna. Ficou conhecida pelo grande público ao cantar o Hino Nacional em Tikuna na abertura das Olimpíadas de 2016. Djuena Tikuna canta a força de seu povo e clama pela resistência dos povos indígenas.

DJUENA TIKUNA – SAUDADE DA ALDEIA

Terminamos nossa pequena lista com Brisa Flow, primeira artista indígena a se apresentar no Lollapalooza. Na edição de 2023, Brisa Flow organizou uma setlist que misturava o rap com cantos ancestrais, jazz, eletrônico e neo soul.

Originária

Podemos ver que, ao contrário do que muitos pensam, a música indígena não desapareceu. Ao contrário, ressurgiu em muitas outras formas que estão mais próximas de nós do que pensamos.

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Ulisses Mantovani
Ulisses Mantovani
Bacharel em Música da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Servidor Público Estadual

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