Todo professor já ouviu essa pergunta. Em época de reforma no ensino e discussões infindáveis sobre quais matérias deveriam ser obrigatórias, é bastante relevante nos perguntarmos sobre os critérios que levam a aceitar um determinado conjunto de conhecimentos e habilidades como fundamental para todas as pessoas, enquanto outras tantas áreas ficam relegadas a segundo, terceiro ou décimo plano.
Houve uma época em que questionamentos desse tipo eram mais raros, até porque os estudantes não tinham muito acesso a fontes de conhecimento fora da escola. Hoje, o professor deixou de ser o detentor único das informações e, portanto, necessita não apenas apresentar o conteúdo aos alunos, mas também persuadi-los sobre a importância do que estão fazendo. Caso contrário, eles vão preferir visitar redes sociais ou assistir séries no tempo que poderiam dedicar aos estudos.
Neste artigo, vamos resumir algumas das respostas mais comuns à pergunta “Por que eu tenho que aprender isso?” e o que elas revelam sobre a prática docente.
Resposta 1: “Para ser alguém na vida”
Muitas mães usam essa resposta para motivar seus filhos, e têm boas intenções ao fazê-lo. O problema é justamente que muitos estudantes mais inteligentes percebem uma falha lógica nessa justificativa: não existe relação direta entre ser um bom estudante e ser alguém na vida. Muitas vezes, as pessoas que se destacam na sociedade são justamente as que saíram da escola ou da faculdade e foram desenvolver suas habilidades por conta própria. E isso vale para muitas áreas, desde os esportes (Neyamr) e o entretenimento (Whindersson Nunes) até o desenvolvimento de softwares (Steve Jobs).
Resposta 2: “Porque vai cair na prova”
Essa é uma das respostas mais honestas, mas também uma das mais irrelevantes. Esse tipo de pensamento faz os alunos verem a escola como um fim em si mesma, como algo que terá apenas a função de fornecer um diploma. Com a diminuição da importância dos diplomas, como comentado na resposta 1, é cada vez mais difícil persuadir os alunos a estudar apenas para ter boas notas.
Resposta 3: “Porque vai cair no vestibular”
A grande vantagem dessa resposta é tirar um pouco da responsabilidade do professor. Afinal, não é ele quem decide o que será cobrado no vestibular e nem quem obriga os alunos a fazer esse exame. No entanto, essa resposta ainda deixa no ar a questão de qual é a real validade dos conteúdos ensinados. Será que, se não houvesse vestibular, as aulas seriam totalmente inúteis?
Resposta 4: “Porque é um conhecimento importante para sua vida”
Muitos conhecimentos são relevantes para a vida das pessoas. Saber, por exemplo, que alguns alimentos são mais saudáveis que outros, ou conhecer os próprios direitos, é algo que impacta positivamente o cotidiano de qualquer um. O problema é que não parece ter sido esse o critério usado para definir os conteúdos que fariam parte dos currículos brasileiros. Muitos assuntos importantes, como política, legislação ou nutrição, são deixados de lado, enquanto uma quantidade gigantesca de informações específicas, como análise sintática, são marteladas por anos na mente dos estudantes (e o pior: nesses casos, a maioria dos estudantes termina o processo sem saber praticamente nada). Essa resposta, portanto, é muito boa, a não ser pelo fato de que é falsa na maior parte das vezes.
Resposta 5: “Porque vai desenvolver uma habilidade”
Com o crescimento do ENEM, as palavras competência e habilidade se tornaram muito mais presentes no cotidiano dos professores. No entanto, como ocorre com muitas outras novidades pedagógicas, esses conceitos não foram bem explicados e acabaram ficando, na maior da parte das vezes, apenas no plano do discurso. Desenvolver habilidades não é transmitir regras e fatos: é trabalhar a capacidade dos estudantes para realizar atividades. Por isso, é possível afirmar que, a cada texto lido, a grande vantagem para o aluno não está no conhecimento daquele texto específico, mas no aumento de sua capacidade de interpretação. O mesmo vale para a realização de exercícios de matemática ou física: a cada conceito aplicado, o estudante desenvolve um pouco mais seu poder de abstração, o que será útil em muitas situações. Portanto, essa resposta é válida em muitos casos, mas é necessário que o professor formate as atividades para evitar que elas se tornem apenas a repetição de dados memorizados, pois isso é pouco útil para desenvolver novas habilidades.
Resposta 6: “Você não precisa, mas pode se juntar a nós, se quiser”
O ideal é criar situações capazes de instigar os estudantes: eles devem, sempre que possível, sentir vontade de aprender ou realizar as atividades, mesmo que isso não valha nota. Se as aulas forem organizadas dessa forma, é muito mais provável que os alunos aprendam, se desenvolvam e internalizem o que estiver sendo discutido. Naturalmente, é difícil criar tais atividades, e talvez nem todo conteúdo ou habilidade possa ser trabalhado dessa maneira. Porém, é importante que os professores, cientes dessa meta, busquem em suas disciplinas formas de colocar o princípio da motivação em prática. Um conceito que pode auxiliar bastante é a gamificação ou ludificação: o uso de recursos típicos de jogos em atividades que não são jogos. Por exemplo, ao invés de explicar um conceito físico de forma totalmente abstrata, é possível, na maioria dos casos, criar uma situação-problema e desafiar os alunos a resolvê-la (“como vocês fariam para descobrir o tamanho do Sol?”). Enquanto escuta as ideias dos estudantes, o professor pode, aos poucos, oferecer as ferramentas usadas para resolver o problema. O mesmo pode ser feito em outras disciplinas: uma aula de História pode envolver os estudantes divididos em dois grupos, um tentando condenar e outro tentando absolver uma figura histórica polêmica, como Napoleão ou Che Guevara. Assim, embora dê trabalho, o ideal é perseguir essa resposta, diminuindo o grau de obrigatoriedade das aulas e aumentando a motivação intrínseca dos estudantes.
Em um post futuro, falaremos com mais detalhes sobre o uso de gamificação em aulas. Até logo.