23 de julho de 2025
quarta-feira, 23 de julho de 2025

Carnaval e resistência: muito além da folia

Por muito tempo, o carnaval nunca teve uma presença marcante na minha família. Meus pais não cultivavam o hábito de nos levar a bloquinhos de rua ou barzinhos carnavalescos. Meu primeiro contato com essa festa aconteceu dentro de casa, assistindo aos desfiles das escolas de samba pela televisão na madrugada, sempre ao lado de uma boa xícara de café. Foi assim que me apaixonei pela grandiosidade, cor e energia que o carnaval representa. Desde então, estabeleci comigo mesma que, mesmo sem essa tradição familiar, faria questão de vivenciar essa celebração.

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Minha primeira experiência carnavalesca aconteceu em Conceição da Barra, uma cidade conhecida pelo carnaval de trio elétrico, semelhante ao de Salvador. Foi logo após uma cirurgia de redução de mama, o que limitou minha animação, mas não diminuiu minha vontade de participar. Ao me jogar na folia, percebi como a vibração dos trios elétricos — literal e figurativamente — criava uma energia mágica.

Em 2012, conheci o outro lado do carnaval: os desfiles das escolas de samba. Tive a honra de desfilar pela MUG (Mocidade Unida da Glória). Naquele ano, vivia um momento pessoal difícil, mas cruzar o “Sambão do Povo” trouxe um alívio e uma euforia indescritíveis. A energia da arquibancada, a união da comunidade e o som poderoso do samba criaram uma conexão profunda e transformadora na minha vida.

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Chegando ao carnaval de 2025, minha vivência foi diferente. Neste ano, participei de uma iniciativa que considero essencial: a campanha “Não é Não” — voltada ao enfrentamento do assédio, da importunação sexual e da violência contra as mulheres. Meu papel como educadora e ativista permitiu que eu vivenciasse a festa sob uma nova perspectiva. A campanha nasceu com o objetivo de conscientizar homens e mulheres sobre os limites do consentimento e sobre o direito à segurança, tornando o carnaval não apenas uma festa, mas um espaço de respeito e inclusão. Foi emocionante ver a receptividade das mulheres, muitas das quais nunca haviam reconhecido comportamentos abusivos como inaceitáveis. Essas iniciativas são poderosas não só porque informam, mas porque empoderam. Elas dão voz às mulheres e deixam claro que ninguém tem o direito de ultrapassar os limites de outra pessoa, independentemente do contexto.

Mas o mais bonito do carnaval vai além da folia. É uma história de garra, tradição e resistência. E, no Espírito Santo, o carnaval é sinônimo da resistência preta. Desde as costureiras que trabalham incansavelmente para concretizar o luxo das fantasias, até as baianas que emprestam sua majestade ao atravessar a avenida, tudo no carnaval carrega a marca poderosa da igualdade, da cultura negra e, acima de tudo, da força das mulheres. São elas que mantêm essa tradição viva, equilibrando o peso das alegorias nos ombros e levando o fervor do samba no coração.

E nessa resistência preta, jamais poderia deixar de mencionar a intérprete da Rosa de Ouro, escola que abriu o carnaval do Espírito Santo neste ano. Ela é uma mulher preta, filha de outra mulher preta, que cresceu respirando o carnaval, aprendendo desde cedo o valor dessa tradição e dessa cultura. Hoje, como intérprete feminina no carnaval capixaba — um espaço ainda majoritariamente machista e misógino —, ela simboliza inspiração e protagonismo. Mulheres como ela são exemplo de como precisamos ocupar espaços e, principalmente, resistir.

Ao olhar para trás e ver como o samba e o carnaval se tornaram uma parte essencial da minha trajetória, percebo o quanto esses momentos — que alternam entre alegria e resistência — foram cruciais na formação da minha identidade. Ainda tenho sonhos a realizar: assistir a um desfile na Sapucaí, por exemplo, está na minha lista, e sei que será tão marcante quanto os carnavais recheados de emoções que vivi aqui, no Espírito Santo.

Para mim, o carnaval sempre será muito mais do que apenas uma festa. É um espaço onde criamos memórias, celebramos nossa história e, acima de tudo, lutamos por um mundo mais justo e igualitário. Um mundo onde as mulheres possam dançar, sorrir e serem livres. Que venham os próximos carnavais!

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Cristiane Martins
Cristiane Martins
Mulher, negra, advogada, moradora do Centro de Vitória, Assessora Especial da Secretaria Estadual das Mulheres

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