A menos de um mês do seu aniversário, Igor tem diante de si um desafio. Vai apresentar a sua música em Paris diante de um público extremamente exigente. Ele sabia que sua música era diferente de tudo o que havia sido apresentado até aquele dia. O espetáculo não envolvia só sua música, havia também dança, o que poderia ajudar a plateia a aceitar a novidade musical.
Infelizmente, a música de Igor foi muito mal recebida. Logo no início da apresentação, houve vaias, gritos e protestos. Os presentes começaram a discutir entre si de uma forma tão passional que o barulho dos debates ficou tão alto que os músicos mal conseguiam ouvir uns aos outros. Alguns chegaram a vias de fato por causa da selvageria da música.
No dia seguinte, os jornais não foram menos piedosos. Os críticos do jornal Le Figaro qualificaram a performance de música e dança como um “massacre artístico” e “uma audácia selvagem e bárbara”. O diário Le Matin considerou “a coreografia grotesca” e a “música insuportável”.
Não sei quantos perceberam, mas o relato acima é real e o Igor, de que falamos acima, não é o líder de uma banda de heavy metal ou um MC. O personagem central de nossa narrativa é o compositor russo Igor Stravinski e as reações descritas acima descrevem a repercussão à primeira performance do ballet “A sagração da primavera”, em 29 de maio de 1913.
Stravinsky The Rite of Spring // London Symphony Orchestra/Sir Simon Rattle
Diante de uma reação tão negativa, podemos supor que muitos saíram do Teatro dos Campos Elíseos, local da apresentação, afirmando coisas: “desde quando isso é música” ou “no meu tempo sim, ouvíamos música, não esse barulho aí”. Como essas frases são sempre ditas diante de um evento musical novo, podemos nos perguntar se realmente as músicas do passado são melhores do que as atuais ou se isso não é um mero saudosismo de quem não se adapta ao presente.
As manifestações feitas por aqueles que não gostaram da Sagração da Primavera de Igor Stravinsky não são diferentes daquelas pessoas de bem que ouviram os primeiros acordes do Rock’n Roll ou as dissonâncias do Bee Bop. Hoje os dois estilos musicais são respeitados e seus representantes estão entre os mais respeitados do cenário musical, mas no início eram tidos como barulhentos e responsáveis pela perversão da juventude.
O mais interessante é observar que muitos que torciam o nariz ao ouvir os Beatles se encantavam ao ouvir Matt Monro interpretando “Yesterday”. Para essas pessoas, ouvir um som mais agressivo como o do White Stripes interpretando “Seven Nation army” pode não ser uma experiência das mais agradáveis.
The White Stripes – Seven Nation Army (Official Music Video)
Pensando nisso surgiram iniciativas como a do grupo Postmodern Jukebox que traduz a sonoridade atual para públicos pouco afeiçoados ao barulho da juventude de hoje em dia. Para esse público uma versão mais vintage de “Seven Nation Army” seria de muito mais bom gosto.
Seven Nation Army – Vintage New Orleans Dirge White Stripes Cover ft. Haley Reinhart
A verdade é que para muitas pessoas é difícil atualizar a sua apreciação musical. Surgem novas celebridades, novos estilos, novas sonoridades, mas é mais fácil ficar com aquela música que marcou os grandes momentos de nossas vidas. A nossa ligação com a música é tão forte que pacientes com Alzheimer podem se esquecer de tudo menos das suas músicas favoritas.
O momento em que bailarina com Alzheimer lembra seus movimentos em ‘Lago dos Cisnes’
Resta um consolo aos que permanecem com o pensamento de que a música de sua juventude era melhor. Com certeza os jovens de hoje pensarão o mesmo quando ouvirem os “barulhos” das próximas gerações.
