Quando eu era garoto, no final da década de 60, minha mãe costumava me dar um dinheirinho para comprar doce. Meu avô tinha uma quitanda e vendia aqueles doces de antigamente: paçoquinha, suspiro, doce de leite, geleia, arrozinho, pipoca e outros…
O valor que ela me dava, que já não tenho nenhuma ideia de quanto, era suficiente para comprar pelo menos uns oito ou dez daqueles doces. Eu, em vez disso, ia na padaria, que ficava perto da quitanda, e comprava uma bomba de chocolate. Bem mais cara, bem mais saborosa, mas… só dava para comprar uma…
Depois de comer avidamente a bomba de chocolate, começava a perturbar meu irmão que, como eu, tinha ganho o mesmo valor para comprar doces, mas optou pelos oito ou dez da quitanda. “Me dá um pedaço da paçoquinha”, dizia eu, “o meu doce já acabou”… “Olha aí o seu suspiro, deve estar com bicho. Está todo cheio de furinhos”.
Malandragem de criança.
Pouco tempo depois, em uma reunião de família no quarto da casa de minha avó, meu pai já falecido, minha mãe fez um pedido aos três filhos: se esforcem na escola, evitem repetir de ano (expressão usual da época), porque agora vocês só podem contar com a sua mãe e não temos mais o pai.
Juntando a predileção pela bomba de chocolate e a fala de minha mãe, no alto dos meus seis anos e pouco, acabei por internalizar exigências altas nas notas da escola. Quando saiu a nota final do primeiro ano do primário, e a professora deu 99, eu estrilei! Como assim 99? O que está faltando para o 100? Claro que não faria nenhuma diferença se fosse 100 e não 99, mas dali até o final do meu mestrado, já casado e com duas filhas, sempre exigi demais de meu desempenho acadêmico.
Só no começo do doutorado me dei conta de que aquele nível de exigência era descabido e desisti de tirar notas astronômicas. Ainda me dedico ao que faço com o mesmo afinco, mas sem a preocupação com a nota ou o reconhecimento. Se vierem, tudo bem; se não, tudo bem também.
Continuo preferindo a bomba de chocolate. Ela simboliza bem o gosto por boas coisas. Continuo preferindo as boas notas. Elas expressam a minha dedicação. Mas não me importo mais em comer a paçoquinha e a geleia e em tirar notas razoáveis, desde que tenha aprendido o que realmente precisava.