A escassez de engenheiros agrônomos e a falta de apoio à agricultura familiar estão entre os principais fatores que contribuem para a crise na produção de alimentos no Brasil, agravando a inflação e reduzindo a quantidade de comida na mesa dos brasileiros. A avaliação é da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que alerta para a necessidade de investimentos em assistência técnica e políticas públicas voltadas para a produção sustentável de alimentos. Enquanto isso, a alta nos preços dos alimentos continua a pressionar o bolso da população, com a cesta básica atingindo valores recordes em diversas capitais do país.
De acordo com a FAO, os agrônomos desempenham um papel crucial na otimização do uso de recursos naturais, na implementação de técnicas agrícolas sustentáveis e na garantia da qualidade dos cultivos. No entanto, a formação desses profissionais está em declínio, com uma redução de 22,35% no número de estudantes de agronomia nos últimos cinco anos, segundo dados do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA). A falta de profissionais capacitados é agravada pela falta de oportunidades no mercado de trabalho, com muitos agrônomos desempregados ou atuando em áreas fora de sua formação.
Maria Wanda de Alencar Ramos, engenheira agrônoma, critica a falta de políticas públicas que incentivem a produção de alimentos pela agricultura familiar, responsável por 70% do feijão, 34% do arroz e 87% da mandioca consumidos no Brasil, segundo o último Censo Agropecuário (2017). “O problema não é a falta de produção, mas a distribuição de renda e a concentração do mercado nas mãos de grandes corporações”, afirma. Ela destaca que muitos agricultores familiares não têm acesso a crédito ou assistência técnica, o que limita sua capacidade de produção.
A deputada estadual Luciana Rafagnin (PT-PR), líder do bloco da Agricultura Familiar na Assembleia Legislativa do Paraná, propôs um projeto de lei para incentivar a assistência técnica e a transição agroecológica. “Precisamos de políticas públicas que apoiem a agricultura familiar, com linhas de crédito, subsídios e incentivos fiscais”, defende. Ela critica os subsídios destinados ao agronegócio, que prioriza a produção de commodities para exportação em detrimento da produção de alimentos para o mercado interno.
Marli Brambilla, integrante da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da cooperativa Coana, reforça que a falta de apoio financeiro e técnico aos pequenos agricultores é um dos principais obstáculos para a produção de alimentos. “Mais de 4 milhões de agricultores familiares não têm acesso a crédito ou assistência técnica. Enquanto isso, o agronegócio avança de forma descontrolada, ocupando terras e recursos que poderiam ser usados para a produção de alimentos”, afirma.
A inflação dos alimentos, que atingiu níveis alarmantes durante o governo de Jair Bolsonaro (8,24%), continua a pressionar o orçamento das famílias brasileiras. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o preço dos alimentos subiu 7,69% em 2024, com a cesta básica registrando aumentos em 13 das 17 capitais pesquisadas pelo Departamento Intersindicial de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Em São Paulo, a cesta básica mais cara do país consome 60% do salário mínimo, deixando milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar.
Adriana Marcolino, diretora-técnica do Dieese, explica que a alta nos preços dos alimentos está relacionada a fatores como a oscilação do dólar, a especulação no mercado internacional e a falta de estoques reguladores. “Passamos por um período de desmonte das políticas de abastecimento, com a desestruturação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a redução dos estoques estratégicos de alimentos”, afirma. Ela destaca a importância de políticas como a importação de arroz e a reconstituição dos estoques reguladores para conter a inflação.
O governo federal tem adotado medidas para ampliar a oferta de alimentos, como o aumento das linhas de crédito para a agricultura familiar por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e a retomada dos estoques reguladores. No entanto, especialistas alertam que essas políticas precisam ser ampliadas e consolidadas para garantir a segurança alimentar da população.
Enquanto isso, a falta de engenheiros agrônomos e o desmonte das políticas de apoio à agricultura familiar continuam a desafiar a produção de alimentos no Brasil. Para Maria Wanda de Alencar Ramos, a solução passa por uma mudança no modelo de desenvolvimento agrícola, com foco na agroecologia e na distribuição equitativa de renda. “Precisamos de uma sociedade mais justa e inclusiva, que valorize a produção de alimentos e a relação sustentável com os recursos naturais”, conclui.
A crise na produção de alimentos e a inflação recorde evidenciam a urgência de políticas públicas que priorizem a agricultura familiar e a formação de profissionais capacitados para enfrentar os desafios do setor. Sem isso, o Brasil corre o risco de ver a fome e a insegurança alimentar se agravarem ainda mais nos próximos anos.