Carolina Maria de Jesus ficou famosa quando seu primeiro livro foi publicado, Quarto de Despejo: diário de uma favelada.
O livro vendeu como água na primeira tiragem, colocando a autora em evidência, na elite da época e na favela do Canindé, onde vivia, tendo sofrido retaliações dos vizinhos que se sentiram expostos em seu livro.
A data desta segunda-feira, 13 de fevereiro, é marcada pela morte de Carolina Maria de Jesus, que neste ano completou 46 anos.
Contudo, vale ressaltar que seus livros e relatos são extremamente atuais na realidade das periferias e das favelas. Suas obras fazem um alerta para as pouquíssimas e quase inexistentes mudanças significativas na vida das pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social e econômica.
Apesar de ter se tornado uma das maiores autoras do país, uma das primeiras escritoras negras do Brasil, e de ter alcançado grande sucesso com seus livros, traduzidos para diversas línguas, Carolina Maria de Jesus não viveu uma vida luxuosa e nem muito digna.
Seus lançamentos pós “Quarto de Despejo” não alcançaram os mesmos feito, toda a fama esfriou e sua vida melhorou.
Em uma época e em um país visivelmente racista, a autora viveu pouco acima da linha da pobreza, um tanto estranho para o sucesso de direitos autorais que deveriam ser de Carolina Maria de Jesus.
Houve e ainda deve haver quem diga que a autora só ganhou notoriedade por auxílio de Audálio Dantas, o jornalista que a ajudou a lançar seu primeiro livro.
Como dizem as más línguas, que de tempos em tempos sempre aparecem para descreditar algum(a) artista negro(a) ou fora do padrão normativo, “o jornalista deve ter participado ou feito a obra inteira”.
Uma triste fala sobre uma realidade que muitos acreditam, simplesmente por puro preconceito e falta de conhecimento, resultado de um do colonialismo impregnado no Brasil e nos brasileiros que cria esse “senso comum” de que negros não podem ser intelectuais.
Por falar em Brasil, um dos livros lançados por Carolina Maria de Jesus, foi nomeado Um Brasil para Brasileiros, obra póstuma publicada em 1982. O título da obra é hoje uma expressão usada em diversas campanhas políticas, mas quem de fato representa e defende a mulher negra, mão solo, pobre e favelada?
Na época de Carolina Maria de Jesus, lá nos anos 60, os pobres eram tirados “do caminho” e os jogados nas favelas, realidade retratada pela autora em sua obra, “a favela é o quarto de despejo da sociedade”. Quantos sonhos foram destruídos nessas ações desumanas?
Em um documentário da TV Brasil sobre a autora, a filha de Carolina Maria de Jesus, Vera Eunice, disse que o sonho da mãe era ter uma casa. Esse continua sendo o sonho da esmagadora maioria dos brasileiros, principalmente daqueles que para sobreviver precisam revirar até mesmo os lixos atrás de comida, que todos os dias batalham para conseguir o mínimo de dignidade.
Ficam as perguntas para reflexão: o que de fato mudou dos anos 60 até agora? A vida dos pobres e favelados mudou para melhor? Ainda existe um abismo entre ricos e pobres?
Relembrar de pessoas históricas além do seu tempo é um exercício de memória, é uma forma de manter viva as poucas conquistas que tivemos no país e de cobrar novas iniciativas.
Falou-se tanto de perseverança e resiliência nos últimos anos, que esquecemos de erguer as vozes quando temos lugar de fala, quando tentam nos silenciar e limitar nossos espaços na sociedade.
É interessante observar o quanto Carolina Maria de Jesus reconhecida fora do Brasil, sendo tema de teses e estudos no exterior. Mas por que se fala pouco dela no Brasil? Por que não aprendemos sobre ela nas escolas?
Uma escritora gigante para este país, que queria sair da favela e encontrar um mundo melhor e que ao sair só encontrou preconceito. Uma mulher com fome existencial, ou como a escritora Conceição Evaristo disse no documentário da TV Brasil: “É muito emocionante ver uma pessoa que não tem nada e também não contenta com esse nada. E tudo que é oferecido também não basta”.
Talvez seja isso que falta para nosso país realmente melhorar, uma fome existencial que não se sacia com migalhas.
Letícia Cristina é bibliotecária, empreendedora, costureira, amante dos livros e estudos sociológicos.
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