Adotar ou não adotar? Essa é uma questão que me acompanha há anos. Caminhando para os 51, confesso que em vários momentos, principalmente nos últimos 20 anos, o desejo de ser mãe bateu mais forte. Houve um período em que meu relógio biológico começou a fazer barulho, como um lembrete incômodo. Queria ser mãe, mas o contexto não era o ideal: não tinha um parceiro e também não me via buscando uma produção independente. Então, os anos foram passando e esse desejo foi se alternando.
Em 2019, quando comecei a viver com meu atual companheiro, Everton, percebi que ele compartilhava esse sonho de ser pai, assim como eu também quis, em várias fases da vida, ser mãe biológica. Mas, como muitas mulheres da minha idade já sabem bem, o tempo nos desafia. Diferente dos homens, que, como brincamos, “continuam a gerar”, nós temos um cronômetro natural que a cada ano vai nos dizendo: “é agora ou nunca”. Enquanto homens podem se tornar pais até aos 90, como Niemeyer, nós lidamos com a pressão constante de ver o tempo passando.
Hoje, eu sei que minha fase para ter filhos biológicos já passou. Estou lidando com a menopausa, com seus calores e tudo o mais que vem junto. Não quero mais engravidar, e o corpo também já dá sinais claros de que não seria uma boa ideia. Mas a adoção sempre foi uma possibilidade que esteve no meu coração, até mesmo antes de conhecer o Everton.
A minha primeira experiência com adoção foi com gatos, claro. Cruella, nossa primeira gatinha, veio para um lar temporário, mas logo percebi que isso era uma grande mentira – lar temporário se transforma em lar permanente rapidinho. Depois, veio a Neinha, nossa segunda adoção. Foram minhas adoções, mas Everton, que entrou depois na nossa vida, virou o “tio Everton”. Brinco que, para não traumatizá-lo, nunca o chamei de pai delas, embora eu seja a “mãe”.
Agora, pensando em adotar um filho, sinto que estou pronta para algo diferente. Não quero um bebê. Não tenho mais energia, nem joelhos que aguentem correr atrás de uma criança pequena. O que vejo para mim é a adoção de um menino negro, mais velho, talvez com cinco ou seis anos. Crianças mais velhas, especialmente meninos negros, enfrentam grandes dificuldades para serem adotadas, e é nessa realidade que me vejo fazendo diferença.
Mas, claro, cada relação é uma construção, e Everton e eu não estamos completamente alinhados nisso. Enquanto ele ainda pensa em adotar um bebê, eu sei que essa não é mais uma possibilidade para mim. Talvez seja a diferença de idade – ele é sete anos mais novo –, talvez seja o fato de que homens encaram a paternidade de forma diferente. Para ele, adotar ainda não é algo concreto. Ele sempre coloca metas: “Quando tivermos nossa casa, vamos pensar nisso”. Eu, por outro lado, já sei que essa será a única forma de termos um filho juntos, e entendo que lá na frente vamos ter que alinhar nossas expectativas.
Mas a verdade é que há tantas crianças precisando de um lar, carinho e acolhimento. São seres humanos que, por diversas razões, foram deixados em lares temporários ou abrigos, e essas crianças, que muitas vezes são vistas com preconceito por terem crescido fora do ambiente “tradicional” de uma família, merecem amor e cuidado.
Minha mãe, como muitos de sua geração, tinha uma visão complicada sobre adoção. Ela dizia que adotar era como trazer uma cobra para dentro de casa, algo que poderia nos “picar” no futuro. A ideia era que crianças adotadas poderiam ter problemas ou desvios de caráter. Mas, à medida que o tempo passa, percebo que essa visão está mudando. Hoje, vemos que até mesmo filhos biológicos podem causar decepções e problemas – e que isso não tem nada a ver com serem adotados ou não.
O que tenho visto, e que me inspira profundamente, são os exemplos de casais homossexuais que adotam crianças mais velhas, muitas vezes negras, ou que aceitam adotar irmãos para não separá-los. Eles se colocam à disposição dessas crianças de uma maneira admirável, talvez porque também saibam o que é viver à margem da sociedade. É um exemplo de amor que deveria nos inspirar.
E eu espero, quem sabe daqui a um tempo, poder realizar esse sonho. Não dividir amor, mas multiplicá-lo, acolhendo um filho, ou quem sabe dois, e oferecendo a eles o carinho e a segurança de um lar. É isso que realmente importa.