O governo federal quer incluir as cozinhas solidárias no rol de ações para tirar o Brasil do Mapa da Fome, ferramenta da Organização das Nações Unidas (ONU) que mede o acesso adequado a alimentos. Um projeto estabelecendo a iniciativa vai ser apresentado pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) nesta quinta-feira (9).
O objetivo da política pública é fornecer almoço gratuito para pessoas que estão passando fome. Ela prevê que o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome cadastre as cozinhas solidárias em todo o país a partir de um edital público.
Com isso, elas passarão a receber recursos públicos para a compra de alimentos e o pagamento de pessoal. A compra será feita pela entidade, seguindo os parâmetros do Programa de Aquisição de Alimentos, do governo federal. Ainda não está definido quanto será destinado ao programa, que dependerá da disponibilidade orçamentária do governo federal.
O projeto permite que o poder público também forneça, se necessário, a estrutura física onde a cozinha funcionará e equipamentos para processar os alimentos, transportá-los e guardá-los.
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias (PT) discutiu o programa nessa terça (7) em uma reunião tripartite com municípios e estados. O objetivo do encontro foi avaliar alternativas para tirar o Brasil do Mapa da Fome.
“Além do Bolsa Família, o Cozinha Solidaria/Restaurantes Popular é parte deste planejamento, somando-se ao Programa de escola de Tempo Integral, que além da parte de educação, tem almoço e dentro o programa de Merenda Escolar “, disse Dias à Folha.
De acordo com a justificativa do projeto, “as Cozinhas Solidárias fazem parte de um conjunto de medidas de combate à insegurança alimentar e nutricional, sendo esta de cunho mais emergenciais, que trarão acesso à refeição adequada e saudável de forma imediata”.
“A insegurança alimentar é algo que piorou para além da macroeconomia e para além da extrema pobreza. É um certo paradoxo, o Brasil é um dos maiores produtores de alimento do mundo, mas temos muitas pessoas em insegurança alimentar”, analisou o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social.
Para ele, soluções como as cozinhas solidárias permitem “atender muita gente, o que leva a ganhos de escala”, mas é necessário também pensar em soluções mais duradouras. É nesse ponto que é importante a conjugação de políticas mais emergenciais como essa com iniciativas maiores, como o Bolsa Família, avalia.
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Nesta quinta-feira (9), na companhia de Boulos, Dias deve visitar uma cozinha solidária que já funciona em Ceilândia, a maior cidade do Distrito Federal.
O projeto do deputado prevê que as cozinhas solidárias já existentes poderão participar do programa do governo federal. Isso inclui tanto as iniciativas do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), movimento ao qual Boulos é vinculado, quanto centenas de outras espalhadas pelo país mantidas por associações comunitárias, igrejas e outras organizações da sociedade civil.
A administração, gestão e fiscalização das Cozinhas Solidárias ficará a cargo da Secretaria de Periferias, do Ministério das Cidades, comandada por Guilherme Simões, militante do MTST e indicado por Boulos para o cargo.
A inclusão de iniciativas a partir de um edital no qual o próprio estabelecimento se cadastra evita possíveis conflitos de interesse, na visão do parlamentar.
“Política pública séria tem de ser para todos. Por isso, decidimos que o projeto será realizado por meio de editais públicos, com critérios que permitam a participação do maior número possível de organizações e entidades de maneira transparente e com fiscalização permanente”, disse Boulos.
Para ele, “o papel das Cozinhas Solidárias do MTST é apenas o de ter um grande know-how acumulado que contribuiu para a elaboração da proposta de política pública em discussão”.
O movimento que já foi coordenado por Boulos mantém 31 cozinhas solidárias em 14 estados brasileiros. Elas foram criadas pelo MTST em 2021 em decorrência do empobrecimento da população causado pela pandemia de Covid-19. Juntas, já serviram mais de 1,2 milhão de refeições.
A arrecadação de alimentos e valores em dinheiro é feito a partir de doações. Elas também promovem o cultivo de hortas urbanas próximas às cozinhas.
Em um primeiro momento, o programa de Cozinhas Solidárias focará na periferia das grandes cidades e deve ter 30% da compra de alimentos vindo da agricultura familiar. Esse percentual deve chegar a 70% à medida que o programa avançar.
De acordo com Neri, as regiões periféricas das metrópoles “são locais da nova pobreza, onde ela aumentou muito nos últimos anos. E quando aumenta a pobreza, insegurança alimentar aumenta mais”.
O país voltou ao Mapa da Fome em 2019, quando o percentual de pessoas em situação de desnutrição ficou acima de 2,5%. O número ficou abaixo da linha de corte entre 2015 e 2018.
Em 2020, dado mais recente disponível, o número chegou a 4,1%. Tirar o Brasil do Mapa da Fome é um objetivo declarado de Dias, mas não há um prazo para que isso aconteça.
Além de fornecerem refeições gratuitas, as cozinhas solidárias também devem realizar atividades culturais, educativas e de apoio jurídico. Com isso, prevê a justificativa do projeto, elas darão “capilaridade para avançar em direito à cidade nas regiões menos assistidas pelo Poder Público”.