Um novo estudo de sociologia da administração propõe que
grandes empresas estão adotando marcas do identitarismo (vulgo “lacração” ou
“woke”) por causa da dinâmica interna de gestores intermediários que são uma
minoria das partes interessadas. “Especificamente”, dizem os autores,
“especialistas de recursos humanos que administram programas de treinamento em
diversidade, equipes de publicitários que elaboram campanhas de marketing de
justiça social” e agentes similares. Comparativamente, haveria pouca evidência
de aderência do alto escalão e dos trabalhadores mais baixos na hierarquia à
ideologia. O artigo foi publicado na SSRN,
uma base para publicações de humanidades ainda sem revisão por pares.
Os autores — Nicolai Foss, da Faculdade de Administração de
Copenhague (Dinamarca), e Peter Klein, da Faculdade de Administração Hankamer
da Universidade Baylor (Texas) — sustentam sua hipótese com evidências de que
esses agentes não precisam esperar por ordens da administração superior, tendo
autonomia para lançar seus projetos. Além disso, reivindicam status de
especialistas, o que intimida questionamento do alto e do baixo escalão na
estrutura corporativa. Aproveitam-se, também, de uma pressão pelos pares e um
clima de autocensura. “A força da nossa explicação é que ela faz sentido para o
fenômeno notório dos gerentes intermediários, gestores de RH etc.”, explicam os
analistas, apontando também que a hipótese é boa candidata para explicar a
velocidade do fenômeno.
O que há de interessante no fenômeno da adoção do
identitarismo pelas empresas, para os pesquisadores, é que ocorreu muito rápido
comparado a outros choques culturais em que as empresas são mais lentas para se
adaptar. Além disso, é concentrado em áreas como entretenimento, tecnologia e
varejo. Internamente, nos departamentos de recursos humanos, o nome mais
oficial da política é “Diversidade, Equidade e Inclusão” (DEI), que
frequentemente é subordinada a iniciativas voltados à Governança de Meio-Ambiente
e Social (ESG) ou Responsabilidade Social Corporativa (CSR).
O “capitalismo identitário” ou “capitalismo lacrador” descreve
a atitude de empresas, especialmente as grandes, além de instituições como
agências governamentais, forças armadas, ONGs etc., de aderir às práticas,
vocabulário e imagética progressista ou esquerdista, especialmente na onda da
última década de exigência de tratamento diferenciado para grupos seletos. Em
julho de 2020, por exemplo, quase mil empresas, incluindo Coca-Cola, Unilever,
Lego e Microsoft interromperam anúncios no Facebook em protesto porque a rede
social se recusou a censurar uma publicação do então presidente americano
Donald Trump. A publicação, no auge do vandalismo dos ativistas sob pretexto da
justiça racial, dizia “quando os saques começam, os tiros começam”.
Todo mês de junho, muitas dessas empresas têm alterado seus
logos para incluir o arco-íris em homenagem aos GLBT. Internautas notam que
suas subsidiárias em países em que a causa é impopular não mudam seus logos, o
que sugeriria insinceridade ou falta de disposição a arriscar os lucros pela
causa que, portanto, seria abraçada de forma oportunista e cínica.
O preço da lacração
O preço imposto à empresa com o entranhamento da ideologia
dos gerentes intermediários, para Foss e Klein, é que podem acontecer
desequilíbrios de poder e rigidez organizacional, além de limitação à
diversidade de pontos de vista, “o que é tipicamente ruim para a criatividade e
a inovação”. Um exemplo concreto é “a forma como os indivíduos e grupos
identitários tendem a descartar toda crítica como motivada politicamente”.
Os autores reconhecem que mais estudos empíricos são
necessários, mas indicam em outros estudos publicados evidências do impacto
ruim de empresas serem tomadas pelo identitarismo. A importância da diversidade
de pontos de vista para fomentar um ambiente criativo, por exemplo, é bem
estabelecida. A lacração “é um corpo de ideias em constante evolução”, mas
claramente “impõe uma dinâmica de grupo interno/grupo externo”, ou seja, uma
dinâmica de “nós contra eles”. Os aderentes policiam o dissenso e “limitam
fortemente a extensão de expressão aceitável” dentro das organizações.
Um exemplo dessa dinâmica foi James Damore, demitido do
Google por ter escrito um memorando
em julho de 2017 em que ele propunha que a biologia poderia explicar por que há
menos mulheres interessadas por certas partes mais técnicas da engenharia de
software que homens. A pesquisa tem mostrado
consistentemente que, na média, homens diferem de mulheres em interesses:
eles se interessam mais por “coisas”, elas mais por “pessoas”. Damore
questionava a pressão por ação afirmativa para tentar atingir paridade de sexos
no setor da empresa, o que não era irrazoável só por causa de previsões da
biologia, mas também porque as mulheres eram uma minoria entre os formados na
engenharia de software. Após colegas, geralmente adeptos do identitarismo,
vazarem seu memorando para jornalistas simpáticos à causa, ele terminou
demitido pelo Google e publicamente acusado de ter comportamento “ofensivo”
pelo diretor executivo da empresa, Sundar Pichai.
Foss e Klein mencionam também custos organizacionais do
identitarismo. “Quando as empresas lacram, arriscam aumentar custos internos de
organização”, como na mediação de conflitos. Eles citam uma pesquisa
experimental de 2020 que mostrou que, quando funcionários são submetidos a
orientações de CSR, eles podem passar a se esforçar menos no trabalho por causa
de “sentimentos de superioridade moral” que lhes dão “permissão psicológica
para violar normas éticas em outras dimensões”.
Alguns indicativos de mudança de direção têm sido observados. Em 2020, a empresa de criptoativos Coinbase baniu discussões políticas internas. Este mês, o Facebook fez o mesmo.