Entender os acontecimentos de 2022 é tarefa com data de início, mas sem prazo para terminar. A partir de indicações de repórteres e colaboradores, a Folha apresenta uma lista de livros, filmes, séries e podcasts que ajudam a cumprir essa missão.
Aos historiadores, cientistas políticos, antropólogos e, claro, jornalistas, cabe o objetivo de continuar tentando entender o mundo. Veja abaixo as recomendações:
Livros
‘O Mago do Kremlin’, de Giuliano da Empoli
Editora: Vestígio; R$ 45; 256 págs.
Um dos mais acurados retratos da Rússia contemporânea na forma de romance baseado e permeado por fatos reais, escrito por um dos mais atentos ensaístas da atualidade. O livro conta a história de um dos criadores do putinismo e como o movimento se cristalizou. Escrito antes da Guerra da Ucrânia, é peça fundamental para entender algumas das motivações de Vladimir Putin. (Igor Gielow)
‘Linha Vermelha – A Guerra da Ucrânia e as Relações Internacionais do Século 21’ de Felipe Loureiro (org.)
Editora da Unicamp; R$ 96; 384 págs.
Em geral, acadêmicos aguardam o desfecho de um episódio de envergadura histórica para analisá-lo em livro. Em iniciativa atípica, Felipe Loureiro, professor da USP, reuniu especialistas para refletir sobre a Guerra da Ucrânia enquanto os combates se desenrolam —sem previsão de término. O resultado é ótimo, a começar pelos textos que lembram os antecedentes do conflito, a mais grave crise militar na Europa desde a Segunda Guerra. (Naief Haddad)
‘O Homem Sem Rosto: A Improvável Ascensão de Vladimir Putin’, de Masha Gessen
Editora: Intrínseca; R$ 64; 368 págs.
A biografia de Vladimir Putin, relançada neste ano, não aborda a Guerra da Ucrânia, que viria depois, mas revela o personagem frio e hediondo que levaria seu país, a Rússia, ao conflito espantoso que a Europa está conhecendo em pleno século 21. (João Batista Natali)
‘Chip War: The Fight for the World’s Most Critical Technology’, de Chris Miller
Editora: Scribner Book Company; R$ 157; 464 págs.
Nada é mais emblemático da disputa geopolítica, tecnológica e econômica entre EUA e China do que semicondutores. O livro de Miller se tornará referência obrigatória para entender a evolução dessa tecnologia crucial, sua importância no presente e no futuro, e a centralidade de Taiwan na cadeia produtiva dos chips avançados. As repercussões vão muito além da conexão Washington-Pequim. (Tatiana Prazeres)
‘The President’s Man: The Memoirs of Nixon’s Trusted Aide’, de Dwight Chapin
Editora: William Morrow; R$ 118 (ebook); 478 págs.
Chapin era o faz-tudo de Richard Nixon na Casa Branca quando, aos 32 anos, foi encarregado de ajudar a organizar a histórica viagem do presidente à China comunista. No cinquentenário do encontro com Mao Tse-tung, ele dá detalhes sobre o evento e bastidores do caso Watergate, entre outros pontos da conturbada administração Nixon. (Fábio Zanini)
‘The Digital Republic: On Freedom and Democracy in the 21st Century’, de Jamie Susskind
Editora: Pegasus Books; R$ 78; 453 págs.
O livro é uma das poucas obras que, além de mostrar como as redes sociais ameaçam a democracia no mundo, apresenta boas ideias para regulação das plataformas de internet. (Patrícia Campos Mello)
‘We Don’t Know Ourselves: A Personal History of Modern Ireland’, de Fintan O’Toole
Editora: Liveright Publishing Corporation; R$ 170; 624 págs.
Crítico literário e autor irlandês, O’Toole, 64, é um dos meus comentaristas favoritos sobre política e cultura americanas. Nesta obra, ele funde memória nacional e pessoal, visitando as últimas seis décadas do país. Não se pode esperar mais vigor literário de um livro de não ficção. (Lúcia Guimarães)
‘O Despertar de Tudo: Uma Nova História da Humanidade’, de David Graeber e David Wengrow
Editora: Companhia das Letras; R$ 71; 696 págs.
Provavelmente o grande livro de 2022. Os dois autores fazem uma radiografia dos estudos recentes em etnologia e antropologia para tentar reescrever os primórdios da humanidade, abandonando mitos consagrados sobre, por exemplo, o período que antecedeu o surgimento da agricultura. Um trabalho fundamental, que abre novas vias de investigação. (João Batista Natali)
‘Fascismo: Quel che è stato, quel che rimane’, de Gianfranco Pasquino (org.)
Editora: Treccani; € 9,99 (ebook); 440 págs.
Lançado em outubro, quando a Marcha sobre Roma completou cem anos, reúne 20 ensaios de estudiosos italianos. Organizado para cobrir o arco do período fascista, fala também dos anos recentes, ao abordar, além do neofascismo, as práticas de governo autoritárias e populistas. “O fascismo não é o passado que não passa, mas sim um passado que influenciou o presente e que deve ser conhecido em profundidade para construir um futuro melhor”, diz a apresentação. (Michele Oliveira)
‘Ultra Ecologicus: Les nouveaux croisés de l’écologie’, de Marc Lomazzi
Editora: Flammarion; € 14; 352 págs.
Do arremesso de tinta em obras de arte à interrupção do trânsito em grandes cidades, os protestos contra as mudanças climáticas estão cada vez mais ousados e intensos. O jornalista francês investiga o fenômeno do ambientalismo radical e seus impactos crescentes na política e na sociedade na Europa. Uma radiografia de um movimento liderado por jovens universitários, predominantemente oriundos de centros urbanos, e que considera o aquecimento global a maior crise da humanidade. (Giuliana Miranda)
‘Mudança Estrutural em África’, de Carlos Lopes e George Kararach
Editora: Tinta-da-China; R$ 176; 352 págs.
Dois grandes especialistas em África ajudam o leitor a se desvencilhar de estereótipos associados ao continente e compreender os êxitos e desafios da economia africana, para a qual cada vez mais superpotências, como EUA, China e Rússia, estão destinando recursos. O livro mostra que, como em todo o Sul Global, há um emaranhado de impasses a serem solucionados, mas ganha o leitor ao mostrar que temos mais a aprender com o continente do que pensamos. (Mayara Paixão)
podcasts
‘The Prince’
Disponível no site da The Economist e em plataformas de áudio; 8 episódios
No ano em que Xi Jinping assegurou seu terceiro mandato, a série, extremamente bem produzida, faz uma retrospectiva do líder chinês em oito partes e um bônus. Muitos chineses esclarecidos diriam que a perspectiva do podcast é enviesada ou, no mínimo, que conta apenas parte da história. Seguramente vale ouvir “The Prince”, mesmo ciente de que se privilegia um ângulo entre outros possíveis. (Tatiana Prazeres)
‘Qui si fa l’Italia’
Criação: Lorenzo Pregliasco e Lorenzo Baravalle; 16 episódios; disponível no Spotify
O mote é narrar os momentos marcantes da história política italiana para quem não os viveu. Pensado para aqueles que não eram ainda nascidos, cai muito bem também para estrangeiros. Em cada episódio, um fato é dissecado com a ajuda de especialistas ou testemunhas. Dois dos mais esclarecedores são dedicados a temas recorrentes no noticiário atual: a entrada de Silvio Berlusconi na política, nos anos 1990, e a Marcha sobre Roma, que completou cem anos em 2022. (Michele Oliveira)
‘Revolutions’
Criação: Mike Duncan; 10 temporadas; disponível no Spotify
Duncan encerrou em 2022 seu projeto mais ambicioso. Em dez temporadas com episódios de cerca de 30 minutos, o americano conta, de forma leve mas detalhada, a história de revoluções que mudaram o mundo —da Gloriosa, na Inglaterra, à Russa. Os últimos episódios, lançados já durante a invasão de Putin, tratam da Guerra Civil Russa, que teve como importante palco a Ucrânia. Saber mais sobre as relações entre czaristas, comunistas e anarquistas ucranianos é ótima forma de entender traumas históricos que definiram a história dos dois países. (Victor Lacombe)
séries
‘Kleo’
Direção: Viviane Andereggen e Jano Ben Chaabane; 8 episódios; disponível na Netflix
O drama se desenvolve com a Alemanha dividida e a Guerra Fria como cenários principais, focando a sociedade alemã antes e depois da queda do Muro de Berlim. Um enredo útil para ajudar a entender a transição histórica ocorrida nas décadas de 1980 e 1990. (Jaime Spitzcovsky)
‘O Terremoto do Everest’
Direção: Olly Lambert; 3 episódios; disponível na Netflix
Dirigida pelo brilhante documentarista britânico, a minissérie de três episódios reconta o dramático terremoto que abalou o Nepal em 2015 com imagens aterradoras, nunca antes vistas —os trechos dedicados a montanhistas no Everest são particularmente impressionantes. Ao mesmo tempo, a obra promove um debate sobre o turismo predatório e os choques culturais inerentes a destinos famosos, sem parecer panfletária. (Igor Gielow)
‘Derry Girls’
Criação: Lisa MgGee; 19 episódios em 3 temporadas; disponível na Netflix
A terceira e última temporada, sobre um grupo de quatro meninas e um menino atravessando a adolescência na Irlanda do Norte, é tão engraçada quanto as duas primeiras e comove sem sentimentalismo. A série conquistou tantos fãs famosos que um certo famoso ator multipremiado fez uma ponta hilariante no primeiro episódio. A história é encaixada no período de violência política que antecedeu a assinatura do Acordo da Sexta-Feira Santa entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. Mas a rotina de risco de atentados e constante hostilidade entre católicos e protestantes é permeada por temas universais da juventude. (Lúcia Guimarães)
‘Expresso Futuro’
Direção: Paulo Testolini; 6 temporadas; disponível no Globoplay e no YouTube
Países africanos como Moçambique e Quênia convivem com o M-Pesa, uma tecnologia similar ao Pix, há mais de uma década. O primeiro também foi pioneiro no mundo em produzir cerveja de mandioca, renda para muitos pequenos agricultores. São informações e curiosidades pouco divulgadas sobre a África no outro lado do Atlântico, mas que borbulham na sexta temporada da série comandada por Ronaldo Lemos, colunista da Folha. Os episódios fazem mergulhar na economia do conhecimento do continente. (Mayara Paixão)
‘Slow Horses’
Direção: James Hawes e Jeremy Lovering; 12 episódios em 2 temporadas; disponível na Apple TV+
Se John LeCarré tivesse criado “The Office“, talvez o resultado fosse esta série sobre espiões encostados e malvistos pelo serviço de inteligência britânico MI5. Baseada numa série de romances de suspense de Mick Herron, tem um elenco brilhante, encabeçado por Gary Oldman e Kristin Scott Thomas, e alguns dos melhores diálogos ouvidos neste ano. Oldman tem ameaçado se aposentar, e resta torcer que o número de livros da série já publicados o convença a continuar por mais temporadas. (Lúcia Guimarães)
filmes
‘Klondike – A Guerra na Ucrânia’
Direção: Marina Er Gorbach; 100 min; indisponível no streaming
Retrato expressionista do conflito russo-ucraniano no Donbass em 2014, quando foram plantadas as sementes da guerra aberta neste 2022. Apesar de ter lado, no caso o de Kiev, o filme traz o impacto brutal da violência numa pequena comunidade, imersa do dia para a noite no grande drama da derrubada de um Boeing da Malaysia Airlines na região. (Igor Gielow)
‘Navalny’
Direção: Daniel Roher; 98 min.; disponível na HBO Max
O documentário mostra como funcionou a máquina de matar de Putin voltada contra o dissidente Alexei Navalni. Destaque para a investigação feita pelo próprio Navalni e pelo coletivo Bellingcat para descobrir como e quem o envenenou. Mesmo sendo um tema pesado, há espaço para momentos hilários sobre as trapalhadas dos espiões russos. (Patrícia Campos Mello)
Um dos grandes documentários do ano mostra em minúcias como o Kremlin tramou o envenenamento de Alexei Navalni em 2020. Além de narrar de modo envolvente a saga do mais famoso nome da oposição a Vladimir Putin, o filme expõe detalhes macabros, como o funcionamento do Novitchok, substância tradicionalmente usada para dar fim aos opositores do sistema, e apresenta cenas da vida familiar de Navalni na Alemanha, onde se recuperou da tentativa de assassinato. (Naief Haddad)
‘Argentina, 1985’
Direção: Santiago Mitre; 141 min.; disponível no Prime Video
No ano em que a Argentina foi campeã da Copa, vale conhecer a história do julgamento de militares que atuaram na ditadura (1976-1983) do país. O longa é baseado em fatos e conta a história dos promotores Julio Strassera e Luis Moreno Ocampo, que investigaram e processaram os responsáveis pelo sangrento regime. Protagonista, o ator Ricardo Darín tem atuação impecável. (Renan Marra)
‘Armageddon Time’
Direção: James Gray; 114 min.; indisponível no streaming
James Gray escreveu e dirigiu este filme intensamente pessoal que seria recebido de forma diferente antes da posse de Donald Trump. Baseado na infância do diretor, mostra uma encruzilhada das injustiças raciais e econômicas que definem a experiência americana no bairro nova-iorquino do Queens, onde ficava a residência dos Trumps. O pai e a irmã do ex-presidente aparecem brevemente na trama. Gray não se poupa e mostra como o privilégio de uma família branca o protege de enfrentar consequências de atos em cumplicidade com um amigo e colega negro. (Lúcia Guimarães)
‘As Nadadoras’
Direção: Sally El Hosaini; 135 min.; disponível na Netflix
O filme conta a história das jovens refugiadas Yusra e Sara Mardini, nadadoras que tiveram de sair da Síria rumo à Europa devido à guerra. No caminho, atravessaram o mar aberto em um trajeto angustiante a bordo de um bote inflável e superlotado. O longa retrata o drama das irmãs e traz reflexões sobre a xenofobia e o acolhimento, com recortes fiéis de quadros observados ainda hoje. Segundo a ONU, mais de 6,6 milhões de sírios cruzaram uma fronteira em busca de proteção em outro país desde 2011. (Renan Marra)
‘O Acontecimento’
Direção: Audrey Diwan; 140 min.; disponível no HBO Max
Adaptação do romance homônimo da ganhadora do Nobel de literatura deste ano, Annie Ernaux, o longa acompanha uma jovem universitária que decide encerrar uma gravidez não desejada. O problema: é a França dos anos 1960, e a lei proíbe as mulheres de abortar. Contado em ritmo de thriller, o filme soa especialmente oportuno em um ano que viu a Suprema Corte americana derrubar o direito constitucional ao aborto —e duramente contemporâneo para as mulheres no Brasil. (Clara Balbi)