50 anos atrás, um dos discos mais venenosos da história da música brasileira foi lançado. “Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua”, do capixaba (ALTO LÁ, É CACHOEIRENSE!, dirão os conterrâneos do artista) Sérgio Sampaio, foi lançado e dali foi para a obscuridade.
Embora a música-título tenha feito grande sucesso no Festival Internacional da Canção do ano anterior (tendo saído inclusive em compacto como single), e Sérgio tenha sido agraciado com o prêmio de revelação do Troféu da Imprensa em 1973, as vendas do disco foram baixíssimas.
Vai aqui uma rápida anedota pessoal: em 1996 foi lançado o primeiro disco do Lordose Pra Leão, “Os Pássaros Não Calçam Rua”. Um de meus irmãos, Adolfo, é um dos vocalistas (ou melhor, “gritador”) da banda. Eu tinha 10 ou 11 anos, e lembro de ter ficado MUITO impressionado com a versão que a banda fez para “Filme de Terror”.
Essa música, originalmente de Sérgio Sampaio (a segunda faixa do disco “Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua”), é bastante cinemática. Para uma criança entrando na pré-adolescência, era mais o clima de medo que ela evocava, talvez misturado com a incompreensão. Ouvir adulto, entendendo a letra, a coisa muda de figura.
Em 1973 o Brasil vivia o auge do aparato repressivo da ditadura civil-militar, que matava, espancava, torturava, fazia desaparecer seus opositores (e não, eu não respeito o seu “direito” de defender a ditadura). Esse clima, de real terror, está todo presente em “Filme de Terror”. Preste atenção aos versos:
“Dentro da folia, um filme de terror
Dura um ano inteiro, o filme de terror
E na rua, um sacrifício
No pescoço um crucifixo
Quem ousar sair de casa
Passe a tranca e feche o trinco”
“O meu sangue jorra e borra de terror
Com quem dança e ama agora o meu amor?
Bruxas, medos e suspiros
Dentes, pêlos e vampiros
Quem ousar deixar de lado
Abra os olhos com os vizinhos”
Dá para ler muita coisa aí. A paranoia reinante quando não se sabe em quem dá para confiar; os freis dominicanos vítimas da repressão; o preso político afastado de seu amor… Nas palavras parafraseadas de Torquato Neto, outro célebre maldito, o poeta se faz no risco.
Eu poderia citar todas as letras do disco, já que a inspiração do homem não era pouca. Mas vamos ficar com esses versos altamente baudelerianos de “Labirintos Negros”:
“Algo estranho esconde a sombra
Sob os nossos pés descalços
Sobre o asfalto cedo
Na avenida larga
Os labirintos negros
Espalham nuvens cinzas
De desesperança
De desesperança
De desesperança
Explodiu a sombra
E eclodiu a festa
Estranha fossa”
De novo, a paranoia da vida contemporânea, um certo senso de desencanto. Veneno puro, poesia da mais fina estirpe.
O disco foi produzido por Raul Seixas, parceiro de Sampaio no disco “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das Dez” (com Miriam Batucada e Edy Star) e homenageado na última faixa. Ele gravou alguns vocais de apoio no disco.
A banda que acompanhou Sérgio nas gravações é fora de série. No violão e guitarra, Renato Piau. Na bateria, Wilson das Neves alternava com Ivan “Mamão” Conti. Os parceiros de Mamão na banda Azymuth completam a cozinha, Alex Malheiros (baixo) e Zé Roberto Bertrami (teclados e arranjos). As percussões eram do Conjunto Creme Cracker.
Vou confessar que nem é o meu favorito do Sérgio (esse posto é ocupado pelo “Tem Que Acontecer”, de 1976). Mas é um disco maravilhoso. Vale muito a pena ouvir, digital ou físico.
Nesses 50 anos do disco, celebre Sérgio Sampaio!
Legal, tava pesquisando o cantor e achei esse texto. Tenho vontade de conbecer o esp santo por causa do Sergio