Sabe aquela frase que sua avó dizia? “Quem não vê, ouve melhor”. Cientificamente, é meia verdade (pergunte à Harvard Medical School de 2017: nosso cérebro é um espertinho que redireciona a área da visão para processar sons mais profundamente). Mas, na arte, é pura poesia e poder.
Vamos ser francos, aqui nessa coluna, a gente adora um evento que nos faça pensar, rir e, claro, ver e ser visto. Mas e quando o “ver” dá lugar ao “sentir”? Prepare-se para conhecer um projeto que não é só um show, é uma aula de vida, ritmo e, pasmem, de geografia brasileira!
Antes de mergulhar, um pensamento: a gente passa o tempo todo rolando a tela, olhando, olhando, olhando…, mas quando foi a última vez que você realmente ouviu? Ray Charles, o gênio do Soul que perdeu a visão aos 7 anos, dizia: “A música é minha forma de ver o mundo.” E ele via mesmo, mas com o ouvido, o tato e o coração. A cegueira, nesse caso, não é ausência é outro tipo de presença.
Além de Ray Charles, já muito artistas nos agraciaram com seus talentos, como por exemplo:
- Stevie Wonder: Nasceu cego e é um ícone do soul, funk e R&B, conhecido por suas composições e performance no piano.
- Andrea Bocelli: Tornou-se cego aos 12 anos após um acidente, mas é um tenor de renome internacional, como visto em Uníntese.
- Lemon Jefferson: Foi um dos mais populares cantores de blues nos anos 1920, tendo nascido cego, como mencionado em Universo Retrô.
- Willie McTell: Um compositor e intérprete de country blues que nasceu cego de um olho e perdeu a visão do outro mais tarde, conforme pode ser visto em Universo Retrô.
A mídia adora o clichê da “história de superação”. Sabe? O artista cego que é um “herói inspirador”. Parece um enquadramento meio preguiçoso, né? Como se o problema fosse a cegueira, e não a falta de acesso e oportunidade! O verdadeiro “superar” não é vencer a deficiência. É vencer a barreira social, a falta de política pública e a escassez de espaço para criação.
No em São Paulo, existe um projeto que ensina música para pessoas com deficiência visual: “Música Transformando Vidas“. Existem ferramentas como o software Lime Allowed que facilitam a transcrição, usando métodos como a Musicografia Braille, um sistema de escrita musical que permite a pessoas cegas ler e escrever partituras.
E é exatamente aí que a Orquestra Brasileira de Cantores Cegos, um projeto capixaba, entra em cena, ou melhor, em som! Não é um projeto assistencialista. É um projeto estético e político. É um grupo que está reinterpretando o Brasil pela escuta. Pense nisso: um país que raramente ouve seus próprios sons regionais está sendo “ensinado a ouvir” por quem não vê! Isso é revolucionário. Com um repertório representativo de canções nacionais, transitando entre o popular e o erudito, retratado na voz de 16 cantores cegos, acompanhados por piano, percussão corporal e uma montagem cênica que é um tapa na cara do óbvio. Sob a tutela da Diretora e realizadora audiovisual Rejane Arruda (da Cia Poéticas da Cena Contemporânea), em espetáculo multilinguagem, primando pela experimentação cênica, unindo forças do Teatro com o Canto Coral. Apostando na plasticidade visual do espetáculo, ela bebe na fonte de gigantes como Antunes Filho e Pina Bausch para criar uma cena onírica, com plataformas aéreas, balanços, plantas, flores e terra.

E a inclusão? É real. O maestro Thomas Davison rege não com as mãos visíveis, mas com estalos, palmas e pés, adaptando o gesto ao coro que não vê. É a música sendo guiada pelo som do corpo, uma prova de que a comunicação na arte se adapta e se aprofunda. É inclusão real, em que o método se curva ao artista, e não o contrário. Embora os cantores não enxerguem, o visual é um show à parte: figurinos de Antônio Apolinário e iluminação de alto contraste de André Stefson e Mari Rodrigues, tudo para evocar um realismo fantástico que lembra as comunidades latino-americanas. Num diálogo com nomes de Villa Lobos e Guerra Peixe, a cantora e musicista Tarita de Souza assina o arranjo musical. A pesquisa de repertório de Renata Mattar e as narrações do contador de estórias cego Antônio Fadini. A organização geral do projeto, é da SOCA – Cia Poéticas da Cena Contemporânea, um coletivo que investiga a diversidade como princípio da construção de poéticas da cena, dedicando-se à inclusão de cegos, surdos e cadeirantes na cena cultural capixaba.

Mas, então, como podemos prestigiar? Marque no seu calendário: 05 de novembro (quarta-feira). Dose dupla de encantamento: sessões às 15h e às 20h no Teatro Universitário da Ufes. Não dê bobeira! A entrada é gratuita, mas a retirada de ingressos é obrigatória, e eles esgotam rápido.
A organização da Orquestra pensou em tudo para garantir que a cultura seja realmente partilhada:
- Recursos Inclusivos: Haverá audiodescrição para pessoas cegas, intérpretes de Libras para a tradução simultânea, e até um espaço sensorial para pessoas do espectro autista.
- Estrutura da Ufes: O Teatro da Ufes tem elevador, rampas, banheiros adaptados e lugares reservados.
- Convite Especial: Escolas e instituições sociais podem solicitar reserva de ingressos para grupos, entrando em contato pelo WhatsApp (27) 996098181.

A pergunta que não quer calar é o porquê insistimos em enquadrar artistas PCDs como “exemplo de superação” em vez de “excelência artística”? Quando as vozes que veem menos começam a cantar muito mais, o resultado é arte que não só entretém, transforma. A Orquestra Brasileira de Cantores Cegos, em sua terceira edição em 2025, mostra que “ver” não é condição para tocar fundo na tradição.
Então, se você tiver a chance de assistir, não fique só no “olhar bonito”. Escute, sinta e participe.
SERVIÇO:
🗓️ 05 de novembro (quarta-feira)
⏰ 1ª sessão: 15 horas | 2ª sessão: 20 horas
Teatro da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)
☎️ Whatsapp SOCA BRASIL: (27) 99609-8181
🎟️ Entrada gratuita, com retirada de ingressos no site LeBillet (www.lebillet.com.br)
Redes Sociais:
@osquestra.br.decantorescegos
@socabrasil







