terça-feira, 29 de abril de 2025

Primeiro levaram os japoneses, depois os venezuelanos

Após a eleição de Trump nos Estados Unidos, os jornais são tomados de notícias sobre ele ou sua base governamental. E mais recentemente o foco partiu para a deportação de 238 venezuelanos, que não voltaram para a Venezuela, mas foram enviados para uma prisão em El Salvador. As manchetes vão de mal a pior, como “Maioria de venezuelanos enviados para prisão de El Salvador não tinha antecedente”. 

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À medida que o tempo passa, a situação fica mais absurda e, para alguns, parece novidade. Mas não é só sobre os venezuelanos, que estão presos injustamente em outro país que vamos falar nesse artigo. 

Certo dia me deparei com uma postagem do perfil História Canhota, com o tema “Campos de concentração esquecidos dos EUA”. A postagem traz bastante informação, mas pesquisar sobre é mais assombroso. 

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Ora, se alguém fala de “campo de concentração”, do que lembramos? Da Alemanha nazista. Mas existem campos de concentração até nos ditos “países de 1º mundo”. 

O que foi esses campos de concentração nos EUA? “Em fevereiro de 1942, o então presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, emitiu a Ordem Executiva 9066, realocando à força praticamente todos os nipo-americanos para campos de concentração pelo simples crime de serem de ascendência japonesa. Entretanto, os EUA alegaram estar a lutar pela ‘liberdade’ durante a Segunda Guerra Mundial” (História Canhota).

A Ordem Executiva foi tomada em resposta ao ataque à base naval de Pearl Harbor. Os campos de concentração nos EUA alojaram cerca de 120 mil pessoas, sendo que mais da metade eram cidadãos norte-americanos. O que contava não era a cidadania, era a origem, ou melhor: a ancestralidade. 

De 1942 até 1946, pessoas de origem japonesa, apesar de serem cidadãos norte-americanos, eram “inimigos” e deveriam ser enviados para esses campos de concentração citados no interior dos Estados Unidos. 

Tempos de guerra ou de iminente guerra causam uma histeria generalizada. É o famoso: nós contra eles. E aqui faço esse paralelo, dos descendentes de japoneses sendo o inimigo dos EUA, e hoje os venezuelanos (e qualquer imigrante) sendo o inimigo dos EUA. 

Sempre tem um inimigo que é externo. Porém, isso é uma característica da história e da cultura dos norte-americanos, que é bem diferente da história do Brasil. Para eles, o inimigo vem de fora, tiram as oportunidades de emprego, ocupam os cargos que “deveriam” ser dos norte-americanos – essa é a retórica principal. Mesmo que os imigrantes nos EUA sejam relegados aos trabalhos mais exaustivos, de limpeza, de servir, de carregar peso, ou seja, os trabalhos mais precarizados. No Brasil a retórica vem desde a ditadura militar-empresarial, ainda é “nós contra eles”, mas o inimigo é interno, não importa qual seja, mas sempre vão ser aqueles que são os “insurgentes”. Foram os povos originários na época da colonização, foram os negros escravizados que se organizavam para rebelar-se contra os senhores da casa grande, foram as mulheres que lutaram por direito, foram os LGBTQIAPN+ que também lutaram e ainda lutam por visibilidade e garantia de direitos, foram as mulheres que prestam serviço de cuidado falando como é trabalhar num sistema que as invisibiliza. Poderíamos seguir com essa lista infinitamente, porque os mais oprimidos no Brasil são os inimigos de quem comanda esse país. 

O que podemos aprender com a história dos EUA? No caso dos campos de concentração de 1942, tiveram duas investigações e adivinha: “não encontraram evidências de que japoneses nos EUA representassem uma ameaça, e nenhum japonês residente no país foi considerado culpado de sabotagem ou espionagem” (História Canhota). Anos depois, o governo americano pediu desculpas e indenizou os sobreviventes – depois de muitos mortos e muitos terem entregado as posses antes de irem para o campo de concentração. Como se o dinheiro valesse mais que a vida e a dignidade, e pudesse apagar violências e traumas de ter vivido em um campo de concentração. 

E no caso dos venezuelanos, que ainda continua. Infelizmente não tem uma solução simples, apesar dos esforços da Venezuela para libertar esses 238 que estão em cárcere. A desculpa da vez, dos EUA, é que esses venezuelanos “são, na verdade terroristas” (afirmação feita pelo Departamento de Segurança Interno dos EUA). Agora, se realmente são terroristas, por que esses venezuelanos estão em um limbo judicial? Nem os EUA e nem El Salvador registrou os venezuelanos como “prisioneiros”, ou seja, não tem crime atribuído a eles. E se são criminosos, como é dito por estes dois países, por que não foram deportados para o país de origem para receber a justa pena então? Não é obrigação de El Salvador abrigar prisioneiros dos EUA. Vale ressaltar que surgiram movimentos em favor dos imigrantes/venezuelanos, pipocando de Caracas (Venezuela) até outros países, dizendo que esses venezuelanos foram “sequestrados”. 

Sabemos que a verdade no fim pouco vai importar, o que importa é tomar um partido, escolher de que lado está. Dos venezuelanos de cabeça raspada, tatuados e presos em El Salvador, ou da Secretária de Segurança Interna dos EUA que gravou um vídeo em frente às grades que prendem esses venezuelanos. A verdade? Não interessa, principalmente para quem “invocou a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798”.

Campos de concentração esquecidos, venezuelanos deportados e presos em El Salvador, guerra tarifária, retrocesso às leis de 227 anos atrás, gente que se diz anti corrupção e quer anistia. Vivemos tempos de contradições, onde ser ignorante e intolerante é bonito, tempos sombrios, onde a guerra já chegou para muitos países. Quanto tempo vai levar para chegar até nós? Se é que já não chegou para alguns. 

Quem sabe um poema nos inspire a organizarmos como classe trabalhadora, classe que tudo produz e que gera riqueza, mas essa riqueza fica nas mãos de poucos.

 

Poema – Primeiro levaram os negros de Bertolt Brecht (1898-1956)

Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.

 

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Leticia Aguiar
Leticia Aguiar
Letícia Cristina é bibliotecária, empreendedora, costureira e amante dos cuidados capilares.

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