Entrevista realizada na ExpoSul, em Cachoeiro de Itapemirim em abril, em uma parceria com a Secretaria de Mulheres do Governo do Espírito Santo.
Céia: estou muito feliz, cansada, mas realizada. Estou aqui com Verônica, uma parceira de longa data nos estudos, e também com duas convidadas maravilhosas: as arquitetas Natália e Victória. Duas mulheres incríveis, com uma profissão admirável.
Arquitetura é mesmo uma profissão desafiadora. Eu mesma quase desisti da faculdade de arquitetura, porque realmente é um curso difícil. Queria que vocês falassem sobre o trabalho de vocês, os projetos do escritório e como decidiram seguir essa profissão. Porque, olha, eu já passei por várias escolhas, já mudei de caminho algumas vezes. Hoje, encontrei minha paixão na comunicação. Sou fascinada pela rádio e, para mim, uma das melhores locutoras do Espírito Santo é Verônica Campanúncio — minha amiga, dona de uma voz fenomenal. Inclusive, ela já gravou áudios em um miniestúdio feito com colchão e travesseiros! O universo da comunicação me cativou, e é aqui que quero ficar.
E vocês, como foi o processo de escolha pela arquitetura? Isso veio da família ou foi algo que surgiu espontaneamente?
Victória: eu acho que ambas já manifestávamos essa vontade desde pequenas. Ontem minha avó comentou com a Natália que, desde criança, eu já tinha isso em mim. Meu primeiro desenho, por exemplo, foi de um prédio onde morávamos, e eu o desenhei perfeitamente. Brincando de Barbie, eu passava mais tempo montando casinhas do que brincando propriamente. Criava móveis com restos de embalagens que encontrava em casa. Já na adolescência, quando chegou a hora de escolher uma profissão, eu sabia que queria algo no ramo da construção. Naquela época, engenharia civil estava em alta, e meus pais até sugeriram. Mas eu queria a parte de planejar, entender os desejos das pessoas, criar espaços sob medida. Então, escolhi arquitetura.
Natália: para mim, foi um pouco diferente. Eu não brincava de casinhas, mas sempre fui artística. Gostava de criar coisas com as mãos. Minha família inteira trabalhava em carreiras públicas, então a ideia de eu seguir algo tão diferente foi uma surpresa. Mas eu sentia que queria trabalhar como autônoma, criar com liberdade. Claro, meus pais levaram um tempo para entender, mas depois passaram a apoiar.
O curso, no entanto, surpreende muitas pessoas. Há quem pense que arquitetura é só tranquilidade e desenho, mas não tem nada disso. É muito trabalho, e as mulheres enfrentam um desafio adicional, porque lidamos quase exclusivamente com homens na construção civil.
Victória: Nosso escritório nasceu em 2020, durante a pandemia. Conversávamos muito, porque éramos amigas desde a faculdade. Então, um dia, decidimos criar nosso próprio negócio. Lançamos o Instagram e começamos. Primeiro trabalhamos de casa, mas agora já temos um espaço físico e seguimos crescendo, graças a Deus.
Trabalhar juntas sempre foi natural. Desde o início da faculdade, percebemos que tínhamos estilos complementares e uma abordagem de trabalho fluida. Essa conexão entre sócias é fundamental.
Natália: é uma jornada desafiadora. A faculdade é muito difícil e, muitas vezes, as pessoas desistem por não ter amor pelo curso. Além disso, sendo mulheres, precisamos nos impor o tempo todo. Muitos homens, especialmente no canteiro de obras, têm dificuldade de aceitar nossas instruções. Não é raro sermos desrespeitadas.
Victória: para mim, a situação é ainda mais delicada. Sou mulher negra, e as questões de desigualdade racial estão muito presentes no nosso meio. Ainda assim, nunca recuamos. Trabalhamos com respeito e perseverança para abrir espaço e nos afirmar como profissionais.
Natália: exato. Já vivemos situações constrangedoras, como sermos confrontadas por empreiteiros na frente de clientes. Somos obrigadas a manter a calma para resolver, mas é frustrante ver nosso trabalho invalidado. E, infelizmente, isso acontece até com clientes homens, que muitas vezes acreditam que sabem mais do que nós. Estamos sempre ocupando um espaço que ainda não é plenamente nosso, mas seguimos firmes.
Victória: além disso, enfrentamos barreiras sociais. Na arquitetura, lidamos com clientes de classes mais altas, e muitas vezes precisamos nos posicionar para sermos reconhecidas como profissionais igualmente competentes. É um exercício constante de validação, mas tentamos quebrar essas barreiras mostrando a vida como ela é em nosso Instagram. Não queremos romantizar o trabalho; queremos mostrar a realidade do dia a dia.
Céia: e como tem sido a experiência de participar da ExpoSul? Essa é a primeira vez que vejo um escritório de arquitetura neste tipo de evento. Contem um pouco sobre isso e deixem uma mensagem para as mulheres que ainda estão escolhendo uma profissão. Convidem-nas a experimentar arquitetura.
Natália: fomos convidadas a criar uma trilha sensorial que trabalha os quatro elementos da natureza: terra, ar, fogo e água. Nossa proposta foi transformar o espaço em uma experiência imersiva, com cheiros, sons e texturas que fazem as pessoas se sentirem em outro ambiente. É importante destacar como a arquitetura vai além do físico; é também sobre o impacto emocional e sensorial. Foi maravilhoso ver o quanto os visitantes se encantaram com nosso espaço.
Victória: Quanto à arquitetura como profissão, é desafiadora, mas absolutamente recompensadora. Trabalhamos com sonhos. Ver um cliente feliz, com a casa dos sonhos realizada, é uma satisfação indescritível. Para quem está em dúvida, minha mensagem é: sigam seus sonhos. O caminho pode ser difícil, mas vale a pena.
Céia: obrigada, Natália e Victória, pela troca tão enriquecedora. É inspirador saber que, mesmo diante de desafios, vocês estão transformando sonhos em realidade.