No dia 15 de outubro de 2024 foi aprovada a Lei Cortez, que “institui a política de incentivo ao mercado editorial e livreiro, regulamenta o preço de capa e políticas de descontos durante o primeiro ano de lançamentos editoriais comerciais”. Em outras palavras, regulamenta que o livro deve ter no máximo 10% de desconto, nos primeiros 12 meses que for lançado. A lei abrange HQs, mangás e livros em geral.
E em vez do debate ir para uma linha solidária e compreensiva, principalmente com os pequenos negócios e livreiros, a reclamação é que “vão aumentar o preço do meu gibizinho”. Alguns influenciadores já se manifestaram sobre o tópico, alguns mais incisivos como o Alexrande Linck, do canal Quadrinhos na Sarjeta, que disse em comentário “Colecionador fala demais em conservação. Mas parece que não entende o mínimo da conservação do próprio mercado”, enquanto outros meio que só notificam e ficam “neutros”, como é o Jovem Nerd.
Entre aqueles que são a favor e os que são contra, um dos argumentos contra é que “brasileiro não lê” e que a lei vai inibir o consumidor de comprar. A PublishNews escreveu um ótimo artigo explicando a trajetória da lei. Mas voltando ao argumento contra, quem fala esse tipo de coisa esquece que hoje já tem livro mais barato na Amazon e mesmo assim brasileiro não lê, então a discussão sobre leitura no Brasil não é tão ridícula a ponto de se justificar só pelo preço do livro, o problema engloba cultura, incentivo, educação e um projeto político para que as pessoas não leiam. O foco nunca foi educar a população e incentivar a leitura, ao contrário do que esse tipo de desinformação quer passar, não é o preço baixo de livros da Amazon que vai fazer o povo brasileiro ler mais, isso é ilusão.
Mas já que falamos do elefante branco na sala, vamos falar da Amazon. O outro argumento contra que é recorrente é que a lei iria atrapalhar o livre mercado. Vale lembrar que em 9 anos a Amazon dominou as vendas de livros no Brasil, é acusada de fazer dumping – vender produtos abaixo do custo da produção, para eliminar concorrência – e que já vêm há algum tempo influenciando no declínio do mercado editorial brasileiro, além de ser uma das grandes empresas com sistemas trabalhistas abusivos, ao ponto que funcionários precisam urinar em garrafas para não perderem metas. Saiu em toda a imprensa: “Funcionários dos armazéns da Amazon dizem ser proibidos de ir ao banheiro e ter movimentos ‘controlados”; “Amazon é processada por demitir trabalhadora que precisa ir 6 vezes ao banheiro”; “Com horários de trabalho excessivo, funcionários da Amazon urinam em garrafas”.
É comum pesquisar um livro e na Amazon estar mais barato que no site da Editora que publicou o livro. E só para ninguém esquecer, dumping é uma prática ilegal no Brasil.
Mas onde entra o livre mercado? Para início de conversa, livre mercado prevê livre concorrência, é um modelo econômico onde o Estado não interfere, só que a concorrência precisa ser justa e isso não existe onde tem dumping. A lógica não bate, livre concorrência pra quem já tem 9 anos dominando um mercado inteiro no país? Como fica o pequeno livreiro que não consegue competir com os descontos da Amazon? A resposta é simples, “livrarias fecham com aumento nas vendas de livros online”, a matéria LexLatin levanta o caso da livraria Saraiva, “a declaração de falência neste mês da rede de livrarias Saraiva faz pensar se as livrarias morrerão num futuro próximo”.
Enfim, esse debate é longo e envolve uma gigante internacional. Infelizmente tentar esvaziar a discussão sobre preço fixo de livro só beneficia quem já domina o mercado, chega a ser desleal com o trabalhador que tenta viver nesse mercado que fecha portas todos os dias. A Lei tenta proteger essas pessoas e dar condições melhores na livre concorrência, outros países já fazem isso, qual é o problema de apoiar os empreendedores brasileiros? Já que gostam tanto de falar de empreendedorismo, o mínimo era apoiar e promover políticas públicas que ajudassem a categoria. Ou que pelo menos ajudassem os trabalhadores que estão sendo precarizados nessas gigantes internacionais e vivem uma distopia trabalhista. Se vamos falar sobre leitura, o debate precisa ser coerente e dialogar com todos. Como a professora Marisa Midori Deaecto disse em seu artigo no Jornal USP: “A Lei Cortez representa uma mudança de paradigma necessária nas relações entre a economia e a cultura. Ela é a porta de entrada para um debate que está longe de se esgotar”.